Temperatura e humidade: como uma combinação extrema testa os limites da sobrevivência humana
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A investigação mais recente calcula que a quantidade de calor e humidade que o corpo humano consegue suportar é provavelmente menor do que se pensava e prevê que a exposição aumentará significativamente devido às alterações climáticas. O Expresso conta-lhe o que já se sabe sobre os limites da sobrevivência humana a esta combinação
As alterações climáticas estão a aumentar as temperaturas e a tornar as ondas de calor mais frequentes e agudas. Ao juntar a humidade, os fenómenos extremos testam os limites do corpo humano. Um exemplo recente? No domingo, numa onda de calor que atinge o Brasil, a cidade do Rio de Janeiro chegou a um novo recorde de sensação térmica: 62,3ºC.
Quando exposto a temperaturas extremas, o corpo passa por várias adaptações fisiológicas para regular a temperatura: a primeira reação do organismo é o suor. Mas com valores muito altos e especialmente quando também está húmido, este mecanismo pode tornar-se ineficaz. Situações extremas de exposição ao calor intenso podem provocar complicações graves para a saúde, como desidratação, esgotamento, insolação e mesmo morte.
Ao longo dos últimos anos, os meteorologistas têm estudado a “temperatura de bolbo húmido”, uma medida que tem em conta não só a temperatura do ar, mas também a quantidade de humidade que este contém.No limite superior, estas temperaturas podem causar graves efeitos na saúde se não for possível encontrar uma forma de refrescar rapidamente.
Inicialmente, a medição da temperatura de bolbo húmido era feita cobrindo um termómetro com um pano embebido em água. O processo de evaporação da água do pano, baixando assim a temperatura, reflete a forma como o corpo humano arrefece com o suor. Atualmente, é medida através de instrumentos eletrónicos em estações meteorológicas. A 100% de humidade relativa, a temperatura de bolbo húmido é igual à temperatura do ar seco, mas com menos humidade é mais baixa.
As temperaturas de bolbo húmido elevadas são perigosas porque os humanos perdem cerca de 80% do calor através da transpiração e, quando a humidade e a temperatura do ar são elevadas, torna-se mais difícil perder o excesso de calor. O suor evapora-se muito lentamente, se é que chega a evaporar-se, em condições de muita humidade. Se o corpo não conseguir arrefecer, começam os problemas que podem levar à morte.
Prevê-se que as alterações climáticas afetem não só o aumento das temperaturas de bolbo húmido, mas também a respetiva persistência. O limite superior destas temperaturas está diretamente relacionado com a subida da temperatura média global.“Se aquecermos o mundo em cerca de 1ºC, então a temperatura máxima de bolbo húmido que pode ser registada em grande parte do mundo aumenta em cerca de um grau”, explicou Matthew Huber, um dos autores do estudo de 2010, à Reuters.
Um trabalho de 2020 divulgado no Journal of Scientific Advances concluiu que, em vez de durarem apenas uma hora, as temperaturas de bolbo húmido perigosas poderão persistir durante seis ou mais horas até 2060. As regiões tropicais com muita humidade são geralmente as que correm maior risco de as registar. A China, a Índia, o Bangladesh, o Paquistão e a região africana do Sahel são consideradas zonas de risco.
Pequenas áreas já tiveram temperaturas de bolbo húmido consideradas letais, mas duraram apenas uma ou duas horas de cada vez, evitando consequências tão graves. Jacobabad, no Paquistão, ultrapassou uma temperatura de bolbo húmido de 35ºC em pelo menos quatro ocasiões, segundo a Reuters. Outras cidades registaram esta temperatura superior a 32ºC, como por exemplo La Paz, no México, ou Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.
No caso de Hong Kong, onde no início de março a humidade se aproximou dos 100% e o verão do ano passado foi o mais quente de sempre, o pior cenário indica que as temperaturas de bolbo húmido de 35ºC poderão ser comuns até ao final do século. A previsão menos grave do estudo divulgado em setembro do ano passado aponta para que seja necessário esperar até 2180 para atingir esse limiar.