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MP considera que não existiu "benefício ilegítimo, favorecimento ou corrupção" de Luís Montenegro com os impostos da casa de Espinho

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TIAGO MIRANDA

Despacho de arquivamento do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto afasta qualquer tipo de ilegalidade praticada pelo atual primeiro-ministro na obtenção de uma certidão de reabilitação para a sua moradia em Espinho, e que lhe deu direito a pagar menos IVA e ficar isento de IMI, afastando as suspeitas de crimes de prevaricação e abuso de poder, por titular de cargo público

MP considera que não existiu "benefício ilegítimo, favorecimento ou corrupção" de Luís Montenegro com os impostos da casa de Espinho

Hugo Franco

Jornalista

MP considera que não existiu "benefício ilegítimo, favorecimento ou corrupção" de Luís Montenegro com os impostos da casa de Espinho

Micael Pereira

Grande repórter

O Ministério Público considera que as obras da construção da moradia do primeiro-ministro Luís Montenegro, na Avenida 8 em Espinho, têm "um enquadramento correto enquanto reabilitação urbana", previsto no Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJRU) ou no Regime Excecional de Reabilitação de Edifícios (RERE). Isso significa que a casa de seis pisos que o atual primeiro-ministro construiu entre 2016 e 2021 numa das zonas nobres daquela cidade deu direito de forma legítima aos benefícios fiscais que foram atribuídos a Montenegro, depois de a autarquia ter emitido uma certidão de reabilitação urbana em maio de 2017.

Esta é a principal conclusão do despacho de arquivamento do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto, a que o Expresso teve acesso.


Os investigadores do caso, iniciado a partir de uma denúncia anónima sobre uma alegada ilegalidade na atribuição da certidão de reabilitação e dos benefícios fiscais decorrentes disso, citam duas das testemunhas principais do caso, que executaram um parecer externo a pedido da Câmara Municipal de Espinho sobre o processo de construção da casa.

"No entendimento destas testemunhas, não subsistem dúvidas de que se estava perante uma obra de reabilitação, tratando-se de uma situação em que havia um edifício pré-existente que tinha sido completamente demolido para dar lugar a uma reconstrução com uma composição idêntica (volumetricamente) ao que pré-existia, independentemente de ter existido ou não algum tipo de ampliação, o que era admissível neste tipo de situações", pode ler-se no documento.

Para o DIAP Regional do Porto, da análise feita à prova documental a que teve acesso, a deliberação favorável e a emissão de Certidão de Reabilitação, assinada por um chefe de divisão da Câmara de Espinho, "tinha acolhimento legal". Nestes casos de certificação de reabilitação urbana a decisão cabe ao município onde se encontra o imóvel e não à Autoridade Tributária, lembra o MP.

Os procuradores descartam ainda as suspeitas de alegadas vantagens fiscais de que Luís Montenegro teria retirado antes da emissão dessa certidão de reabilitação, durante o processo inicial de demolição da moradia anterior que existia na propriedade, em 2016, nomeadamente com a isenção de IMI e uma redução de IVA. Isso poderia ser ilegal, uma vez que esses benefícios só podem ser aplicados em áreas de reabilitação urbana (ARU) e a ARU do litoral da cidade de Espinho não existia em 2016. “Sendo incontestável que as obras preparatórias da intervenção principal iniciaram-se anteriormente à aprovação e publicação da ARU, tiveram continuidade durante o período em que a ARU vigorou e resulta dos autos que o interessado apenas beneficiou do regime de IVA mais favorável após essa constituição da ARU (em 2017).”

O Ministério Público lembra ainda que foi possível certificar o estado de conservação anterior - antes de se terem iniciado as obras da nova moradia, o imóvel que existia ali encontrava-se em ruínas -, pois Luís Montenegro, desde o início, recorreu a licenciamento camarário, "tendo a intervenção sido acompanhada, autorizada e estando documentada nos serviços camarários desde 2015", antes da demolição ter acontecido, já em 2016.

A investigação concluiu que os benefícios fiscais requeridos pelo primeiro-ministro estão conforme a legislação em vigor, enquadrada pelo Regime Jurídico de Reabilitação Urbana e pelo Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). "Foi administrativamente reconhecido ao interessado que a obra que desenvolveu consubstanciava uma intervenção de reabilitação localizada em área de reabilitação urbana e que a mesma foi concretizada num período temporal que permitia ser abrangida por benefícios fiscais em sede de IVA e IMI." E mais: “A condição reconhecida ao interessado foi atestada por duas certidões (2017, atestando que obras tinham sido licenciadas ao abrigo do processo de licenciamento de obras de edificação em ARU; e 2022, atestando obras de reabilitação).”

Processo feito “dentro da normalidade”

Assim, segundo o MP, perante a prova produzida, conclui-se que os indícios recolhidos apontam no sentido de que "a relação administrativa que se estabeleceu entre os intervenientes municipais e o particular decorreu dentro da normalidade, não tendo resultado da prova reunida quaisquer indícios para a imputação de ilícito penal na conduta das entidades administrativas e/ou do interessado".

Os procuradores não têm dúvidas de que "foram apresentados requerimentos com cobertura legal adequada"; "esses requerimentos foram deferidos favoravelmente e de forma fundamentada"; "da prova testemunhal produzida e da documentação junta aos autos resulta indiciado que se tratou de intervenção de reabilitação de edifício localizada em área de reabilitação, nos termos do previsto no RJRU e do EBF"; "os benefícios fiscais atribuídos ao particular tiveram suporte no reconhecimento administrativo dessa condição de beneficiário"; "inexistem quaisquer evidências de obtenção de benefício ilegítimo, intenção de causar prejuízo, favorecimento ou corrupção".

Além disso, defende ainda o MP, os procedimentos analisados foram "tramitados pelos técnicos competentes para o efeito", sob tutela dos "respetivos superiores hierárquicos", ou "com recurso a uma entidade externa no caso de dúvidas quanto ao entendimento a perfilhar". Ou seja, tudo sem contornar a lei.

Apesar de se tratar, na realidade, de uma construção nova e não de uma renovação de uma casa existente, a classificação como reabilitação aplica-se a imóveis feitos de raiz, desde que estejam localizados "em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais". A ARU do litoral da cidade de Espinho foi aprovada pela câmara municipal em novembro de 2016 e o despacho de Joaquim Pinto Moreira, então presidente da autarquia, a aprovar a certidão de reabilitação pedida por Montenegro e proposta pelo chefe de divisão de obras particulares é de maio de 2017, seis meses depois.

A conclusão para o MP foi de que, com tudo isso clarificado, "não resultou a recolha de elementos que corroborem a denúncia apresentada e indiciem a prática de atos ilícitos penalmente puníveis", determinando-se o arquivamento dos autos e afastando-se as suspeitas de crimes de prevaricação e abuso de poder, por titular de cargo público.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: HFranco@expresso.impresa.pt

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