Os investigadores do caso, iniciado a partir de uma denúncia anónima sobre uma alegada ilegalidade na atribuição da certidão de reabilitação e dos benefícios fiscais decorrentes disso, citam duas das testemunhas principais do caso, que executaram um parecer externo a pedido da Câmara Municipal de Espinho sobre o processo de construção da casa.
"No entendimento destas testemunhas, não subsistem dúvidas de que se estava perante uma obra de reabilitação, tratando-se de uma situação em que havia um edifício pré-existente que tinha sido completamente demolido para dar lugar a uma reconstrução com uma composição idêntica (volumetricamente) ao que pré-existia, independentemente de ter existido ou não algum tipo de ampliação, o que era admissível neste tipo de situações", pode ler-se no documento.
Para o DIAP Regional do Porto, da análise feita à prova documental a que teve acesso, a deliberação favorável e a emissão de Certidão de Reabilitação, assinada por um chefe de divisão da Câmara de Espinho, "tinha acolhimento legal". Nestes casos de certificação de reabilitação urbana a decisão cabe ao município onde se encontra o imóvel e não à Autoridade Tributária, lembra o MP.
Os procuradores descartam ainda as suspeitas de alegadas vantagens fiscais de que Luís Montenegro teria retirado antes da emissão dessa certidão de reabilitação, durante o processo inicial de demolição da moradia anterior que existia na propriedade, em 2016, nomeadamente com a isenção de IMI e uma redução de IVA. Isso poderia ser ilegal, uma vez que esses benefícios só podem ser aplicados em áreas de reabilitação urbana (ARU) e a ARU do litoral da cidade de Espinho não existia em 2016. “Sendo incontestável que as obras preparatórias da intervenção principal iniciaram-se anteriormente à aprovação e publicação da ARU, tiveram continuidade durante o período em que a ARU vigorou e resulta dos autos que o interessado apenas beneficiou do regime de IVA mais favorável após essa constituição da ARU (em 2017).”
O Ministério Público lembra ainda que foi possível certificar o estado de conservação anterior - antes de se terem iniciado as obras da nova moradia, o imóvel que existia ali encontrava-se em ruínas -, pois Luís Montenegro, desde o início, recorreu a licenciamento camarário, "tendo a intervenção sido acompanhada, autorizada e estando documentada nos serviços camarários desde 2015", antes da demolição ter acontecido, já em 2016.
A investigação concluiu que os benefícios fiscais requeridos pelo primeiro-ministro estão conforme a legislação em vigor, enquadrada pelo Regime Jurídico de Reabilitação Urbana e pelo Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). "Foi administrativamente reconhecido ao interessado que a obra que desenvolveu consubstanciava uma intervenção de reabilitação localizada em área de reabilitação urbana e que a mesma foi concretizada num período temporal que permitia ser abrangida por benefícios fiscais em sede de IVA e IMI." E mais: “A condição reconhecida ao interessado foi atestada por duas certidões (2017, atestando que obras tinham sido licenciadas ao abrigo do processo de licenciamento de obras de edificação em ARU; e 2022, atestando obras de reabilitação).”
Processo feito “dentro da normalidade”
Assim, segundo o MP, perante a prova produzida, conclui-se que os indícios recolhidos apontam no sentido de que "a relação administrativa que se estabeleceu entre os intervenientes municipais e o particular decorreu dentro da normalidade, não tendo resultado da prova reunida quaisquer indícios para a imputação de ilícito penal na conduta das entidades administrativas e/ou do interessado".
Os procuradores não têm dúvidas de que "foram apresentados requerimentos com cobertura legal adequada"; "esses requerimentos foram deferidos favoravelmente e de forma fundamentada"; "da prova testemunhal produzida e da documentação junta aos autos resulta indiciado que se tratou de intervenção de reabilitação de edifício localizada em área de reabilitação, nos termos do previsto no RJRU e do EBF"; "os benefícios fiscais atribuídos ao particular tiveram suporte no reconhecimento administrativo dessa condição de beneficiário"; "inexistem quaisquer evidências de obtenção de benefício ilegítimo, intenção de causar prejuízo, favorecimento ou corrupção".
Além disso, defende ainda o MP, os procedimentos analisados foram "tramitados pelos técnicos competentes para o efeito", sob tutela dos "respetivos superiores hierárquicos", ou "com recurso a uma entidade externa no caso de dúvidas quanto ao entendimento a perfilhar". Ou seja, tudo sem contornar a lei.
Apesar de se tratar, na realidade, de uma construção nova e não de uma renovação de uma casa existente, a classificação como reabilitação aplica-se a imóveis feitos de raiz, desde que estejam localizados "em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais". A ARU do litoral da cidade de Espinho foi aprovada pela câmara municipal em novembro de 2016 e o despacho de Joaquim Pinto Moreira, então presidente da autarquia, a aprovar a certidão de reabilitação pedida por Montenegro e proposta pelo chefe de divisão de obras particulares é de maio de 2017, seis meses depois.
A conclusão para o MP foi de que, com tudo isso clarificado, "não resultou a recolha de elementos que corroborem a denúncia apresentada e indiciem a prática de atos ilícitos penalmente puníveis", determinando-se o arquivamento dos autos e afastando-se as suspeitas de crimes de prevaricação e abuso de poder, por titular de cargo público.