“Quando me disseram que ele queria falar comigo, fiquei admirado”: o dia em que Negrão foi convocado por Salgado

Segundo o deputado, todas as visitas ao então homem-forte da família Espírito Santo foram feitas na qualidade de advogado
Segundo o deputado, todas as visitas ao então homem-forte da família Espírito Santo foram feitas na qualidade de advogado
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“Quando me disseram que ele queria falar comigo, primeiro fiquei admirado e, em segundo lugar, pensei: bom, é um homem com uma experiência desta... deve ser com certeza um assunto interessante.” Fernando Negrão, um antigo juiz e ex-diretor da Polícia Judiciária que se tornou deputado do PSD em 2002, recorda-se de como foi chamado pela primeira vez ao gabinete de Ricardo Salgado em 2013, na sede do Banco Espírito Santo (BES) na Avenida da Liberdade, em Lisboa. “Disse-lhe que estranhava muito o interesse dele em querer conversar comigo e ele disse-me: ‘Mas eu tenho de conversar consigo, porque o meu amigo é uma pessoa que conhece bem a sociedade portuguesa.’”
De acordo com uma investigação do Expresso, da SIC e do Setenta e Quatro, Negrão é referido dez vezes na agenda de Salgado, entre 1 de março de 2013 e 4 de abril de 2014. Seis meses depois dessa última menção, o deputado seria eleito presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, que escrutinou durante mais de meio ano os bastidores da queda do banqueiro e do seu império.
Ao todo, Fernando Negrão admite ter-se encontrado quatro vezes com Salgado. No segundo desses encontros, o presidente do BES quis saber a opinião do antigo magistrado sobre os 14 milhões de euros que recebeu do construtor civil José Guilherme, não incluídos na sua declaração anual de rendimentos e que ele próprio classificou como sendo uma “liberalidade” — isto é, uma oferta. Em janeiro de 2013, o jornal “i” noticiou que Salgado retificara três vezes a sua declaração de IRS de 2011, pagando um extra de 4,3 milhões de euros em impostos. “Foi a única pergunta que me fez”, recorda Negrão, que respondeu que não, não era a seu ver uma liberalidade. Salgado terá então comentado que “no Direito as coisas nunca são nem pretas nem brancas”.
Segundo o deputado, todas as visitas ao então homem-forte da família Espírito Santo foram feitas na qualidade de advogado. Negrão, que trabalhava na altura como consultor para Albuquerque & Associados, um escritório que tinha o BES como cliente, admite ter chegado a pensar que o banqueiro estivesse tentado a usá-lo para influenciar outros. “Senti que isso podia acontecer depois de ele me ter feito a pergunta sobre a liberalidade.” Podia acontecer, mas, assegura Negrão, não aconteceu.
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