O Presidente da República conversou com jornalistas na Feira do Livro do Porto nesta sexta-feira e comentou as medidas adotadas pelo Governo devido aos incêndios das últimas semanas. O chefe de Estado espera que os fogos já estejam "a passar" e, caso esta situação se confirme nos próximos dias, "a ideia é, independentemente do que se venha a suceder em setembro ou outubro, aprovar medidas que possam, com maior flexibilidade, ser aplicadas". Isto porque decisões tomadas no passado mostraram-se "muito lentas, muito burocráticas".
Em 2017, entende o chefe de Estado, era mais difícil definir medidas indemnizatórias "porque não havia base legal nenhuma". Agora, porém, a situação é diferente. "Já foi aplicado no ano passado em relação aos danos materiais", explicou.
Para este ano, Marcelo diz que o Governo definiu o "alargamento, tomando em consideração a lição dos últimos oito anos". No entanto, o Presidente identifica três tipos de medidas diferentes entre as anunciadas por Montenegro: as que precisam ir ao Parlamento, as que precisam da aprovação presidencial e as que podem ser aprovadas pelo Conselho de ministros.
A prevenção dos fogos é algo que o Presidente entende precisar de maior ação . Após o grande incêndio de Pedrógão Grande, em 2017, o Governo socialista tomou medidas para impedir que isso se repetisse, mas nem todas "correram bem". Marcelo mencionou, por exemplo, a tentativa de "substituir o tipo de floresta que existia" por uma que "arda menos", assim como decisões sobre "limpezas dos terrenos florestais", que foi impossibilitada por inúmeros fatores, como a capacidade das famílias que vivem nas zonas afetadas.
Agora, o chefe de Estado será o fiscalizador dos projetos mais urgentes anunciados pelo Governo. No entanto, o pacto de 25 anos para prevenir novos incêndios como o deste ano, mencionado por Montenegro na noite de quinta-feira, não será um dos focos do Presidente. "Vou acompanhar, mas o meu mandato está a seis meses de acabar", explica.
Marcelo não queria, mas comentou a comunicação do Governo
O Presidente afirmou mais de uma vez que não desejava pronunciar-se sobre a comunicação do Governo, mas acabou por dar a sua opinião. Na conferência de imprensa que concedeu ontem, Montenegro assumiu que pode ter sido criada a perceção de que não houve um acompanhamento próximo do Governo aos incêndios. Marcelo deu razão ao primeiro-ministro, e frisou que a situação se agravou muito rapidamente.
"Acho que, verdadeiramente, quem está em execução e decide em cima da hora muitas vezes chega tarde ou não percebe bem o alcance [da situação]", disse o chefe de Estado, que relembrou a reunião que teve com o líder do Governo no dia 13 de agosto. Então, previu que o dia 15 poderia "complicado", pela persistência de vários fatores adversos, como as altas temperaturas e baixa humidade. "Podia não ter ocorrido, mas ocorreu. A partir desse momento, a situação agravou-se. (...) De repente, [os incêndios] passaram para o Centro, onde romperam vários fogos, que se concentraram num de enorme dimensão", sublinhou. Só no final de dia 15 seria ativado o mecanismo de Protecção Civil da União Europeia.
As críticas à atuação da ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, foram relativizadas por Marcelo. "Era um desafio difícil para uma ministra acabada de entrar há dois meses", explica. Em anos anteriores, entende o chefe de Estado, outros ministros mais experientes também "tiveram dificuldades".
Escolha por "proteger vidas" e dificuldade de combate
Em 2017, os incêndios deixaram dezenas de mortos, algo que não se repetiu neste ano. No entanto, a área ardida em 2025 já superou a de oito anos atrás. "Foi uma opção que foi feita" e que foi correta, considera Marcelo Rebelo de Sousa. Podia-se "tentar reduzir a área ardida e, ao mesmo tempo, ir olhando pelas pessoas e pelas povoações", algo que "falhou" no passado, ou "tentar proteger as vidas humanas, proteger as povoações, ainda que isso custe uma maior área ardida".
Outro fator que contribuiu para a grande área ardida foi a dificuldade de enfrentar as chamas. Em muitos casos, para Marcelo, o fumo impossibilitou a atuação de meios aéreos, fazendo com que o combate terrestre fosse a única opção.
O agravamento da situação também foi "repentino". Durante o dia, conta o Presidente, a Proteção Civil demonstrava otimismo no combate. "Eu fazia o ponto [de situação] com o senhor secretário-geral da Proteção Civil, e ele dizia: ‘Isso está a melhorar, a não ser que haja problemas durante a noite’. E, em muitos casos, houve problemas durante a noite".
Texto escrito por João Sundfeld e editado por João Pedro Barros