O incêndio deste domingo em Alcabideche, no concelho de Cascais, foi dominado mas veio causar algum sobressalto: 14 feridos — maioritariamente (11) bombeiros voluntários —, uma viatura de combate a incêndios danificada e 150 hectares (o equivalente a 150 campos de futebol) ardidos. Apesar de tudo, a resposta foi pronta e numerosa: 400 bombeiros, 70 viaturas e uma dezena de meios aéreos.
Segundo o climatologista Mário Marques, ouvido pelo Expresso, devido às “temperaturas extremas” (máxima de 42 graus esta segunda-feira) e devido também a uma “humidade muito baixa” em algumas regiões do país, “estão reunidas condições propicias à eclosão de incêndios” nos próximos dias. O vento pode ser “um factor igualmente preponderante” no decorrer da semana.
Assim sendo, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) resolveu colocar 50 concelhos de oito distritos (Faro, Portalegre, Castelo Branco, Viseu, Santarém, Bragança, Vila Real e Guarda) em perigo máximo de incêndio. E, segundo a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, pelo menos até dia 25 de julho, foi elevado o estado de alerta especial para nível “amarelo”, o terceiro mais grave numa escala de cinco.
Uma questão surge: estaremos nós preparados, tanto a nível de operacionais quanto de viaturas de combate a incêndios? Os dados dizem que sim.
As benesses e uma realidade nova
O último Relatório Ibérico de Incêndios, da World Wildlife Fund, publicado há poucas semanas, assegura que o número de incêndios florestais tem diminuído em Portugal (e aqui tem peso o incremento da prevenção) e na última década caíram (49%) quase para metade em comparação com a década anterior — isto apesar do ano trágico de 2017, considerado o pior ano de fogos em Portugal, com mais de 100 mortos e 500 mil hectares de área queimada.
O ano de 2023 em concreto é aquele em que se regista menor número de incêndios florestais e uma menor área ardida, não se tendo registando qualquer morte.
Em contraponto, outro dado recente preocupa: nos últimos 20 anos Portugal perdeu quase 10 mil bombeiros voluntários (os 41.500 de 2004 contrastam com os 31 mil de 2022, segundo dados da Pordata), tendo 2021 sido o ano com menos operacionais disponíveis: perto de 26 mil.
Esta “sangria" nas corporações de bombeiros deve-se em grande medida ao facto de a profissão ser cada vez menos “apetecível e atrativa”, garante António Nunes. Segundo o presidente da Liga dos Bombeiros, um caminho para haver maior atractividade, e compensar uma profissão de maior risco que a de outros voluntariados, seria oferecer mais benefícios fiscais ou benesses, além da criação do chamado "Estatuto do Bombeiro Voluntário”.
“Do ponto de vista humano, eu posso pedir mais [elementos para os bombeiros], mas não vamos ter mais. Se isso é contrariável? É contrariável. São necessárias mais regalias pelo trabalho voluntário. É necessário também um quadro remuneratório melhor. Quanto ao estatuto, ele até pode estar na legislação, está é disperso. A legislação atribuiu às autarquias a decisão quanto aos apoios, seja diminuir a taxa do IMI, a taxa do IRS, entre outros. Mas não é global e não é igual para todos”, explica António Nunes, dando o seguinte exemplo: “Eu posso morar em Lisboa, ser bombeiro em Oeiras, Lisboa ter apoios, Oeiras não, e eu não vou receber benefício nenhum”.
Para Jacinto Abreu, experiente comandante dos Bombeiros de Alcoentre ouvido pelo Expresso, os meios humanos “são cruciais” e há uma “evidente falta de meios humanos”. Os incentivos, ou falta deles, “têm peso, claro que têm”. E explica outra realidade que se alterou: “Antes, as corporações eram compostas por pais e filhos, avós e netos. Com todos a trabalhar na mesma localidade, todos bombeiros voluntários. Se a sirene tocava, fechavam a oficina ou a loja ou o restaurante — e acorriam às situações. Hoje já não só não trabalham na localidade como não podem sair tão facilmente dos empregos.”
E há outro problema ainda. “Os bombeiros voluntários são uma segunda linha de atuação, a primeira linha tem de ser profissional. Mas para serem profissionais precisarão de incentivos, apoios, retaguarda, condições. E não têm. Se não têm, não são profissionais”, lamenta Jacinto Abreu.