Está bastante mais magro, perdeu dez quilos, sobretudo de massa muscular. A voz é de um homem mais velho do que os atuais 74 anos e parece que cada palavra sai num sopro cansado. Mas está lúcido, inteiro. Viu a morte de perto, passou por experiências emocionais únicas, descobriu em si mesmo um homem que não conhecia. Mais frágil, chegou a pensar desistir, mas também dono de uma resistência que nunca se sonhou capaz. Agarrou-se à família e agradece a quem por ele rezou a um Deus que ele, não crendo, respeita. A covid-19 modificou-o e apesar do embate conseguiu manter a integridade de ser quem era. Diz que esta é “uma doença do desamparo”, pede que se respeite a virulência do vírus e recomenda todos os cuidados que se conhecem há muito tempo. Partilha de forma tão espontânea e sincera a intensidade do que passou que o que estava previsto para ser uma entrevista transformou-se na recolha de um testemunho. A jornalista apagou-se para ouvir quem tem muito para contar.
“Tenho aqui neste caderno todas as datas anotadas para não me enganar. É interessante que cognitivamente estou muito bem, o que passei foi físico e psicológico, a memória e a inteligência estão preservadas. Em janeiro estava a fazer a minha vida normal, com atividade intensa no consultório e fazer a supervisão da formação em Terapia Familiar. Mas tenho de assumir que fui displicente. Estava muito preocupado com o que o isolamento faria à saúde mental das pessoas e pensei que a doença não era tão grave, que não me aconteceria nada. Descuidei-me, e é preciso dizê-lo porque é necessário respeitar as regras.
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