Coronavírus

Covid-19: “farpas e varapaus” da opinião pública levaram Marta Temido a afastar-se de Graça Freitas

Marta Temido, na audição desta quarta-feira na Assembleia da República
Marta Temido, na audição desta quarta-feira na Assembleia da República
ANTÓNIO COTRIM

Em entrevista à agência Lusa a propósito do anúncio dos dois primeiros casos relacionados com a pandemia de covid-19 em Portugal, a 2 de março do ano passado, Marta Temido falou sobre como o SNS nunca ficou com falta de dinheiro e como se está a preparar para recuperar a atividade perdida para o vírus - o que inclui incentivos aos centros de saúde para trabalharem fora de horas. Também disse que nunca se zangou com Graça Freitas

Marta Temido, ministra da Saúde, e Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, deixaram de aparecer lado a lado durante a atual pandemia em Portugal, e a ministra explica a razão: "Não há nenhuma explicação de zanga, mas recebemos tantas farpas e varapaus por estarmos sempre juntas que optámos por não cansar mais os portugueses", disse, com um sorriso.

Em entrevista à Agência Lusa, Temido garantiu que alterou o modo de operar durante a pandemia devido às críticas feitas ao Ministério no que toca à comunicação. "A própria critica à forma como a comunicação da Saúde era feita, que referia muitas vezes que eram figuras demasiado presentes, demasiado repetitivas, demasiado redundantes, levou a que nós tivéssemos optado por aparecer mais desfasadamente, por comunicar mais separadamente, articulando obviamente, mas por fazer essa alteração apenas de imagem, não de substância", esclareceu Marta Temido.

Sobre a resposta do SNS à pandemia, a ministra da Saúde admite que o Governo "podia sempre ter feito mais" quanto à execução orçamental e aos recursos humanos, mas lembra os incentivos criados para os médicos e sublinha que nunca faltaram meios financeiros ao SNS. "Podíamos sempre ter feito mais, mas em termos de execução orçamental gastar mais não significa gastar melhor. Por outro lado, não faltaram meios financeiros ao SNS [Serviço Nacional de Saúde] em 2020, em nenhum momento do ano. Em nenhum momento do ano 2020 houve regatear de meios financeiros. Nem em 2020, nem daquilo que já vamos em 2021", sublinhou.

Sobre os recursos humanos, sobretudo na área médica, que segundo o Portal da Transparência do Ministério da Saúde caíram entre janeiro e dezembro, sendo que desde o início da pandemia até final do ano o SNS perdeu quase 800 médicos (incluindo internos), a ministra justificou os dados com os diferentes momentos do ciclo de gestão de recursos humanos. Questionada se podia ter feito mais para manter os médicos que acabaram por sair do SNS, a ministra respondeu: "Podíamos sempre ter feito melhor. Podemos sempre fazer mais para motivar as pessoas, sobretudo num contexto tão agressivo do ponto de vista da exigência como é esta pandemia".

Incentivos nos Centros de Saúde

A Ministra anunciou ainda que a atividade adicional nos centros de saúde vai ter incentivos financeiros, à semelhança do que aconteceu para recuperar a atividade hospitalar. "Entendemos que era preciso fazer o mesmo ao nível dos cuidados de saúde primários e o Orçamento do Estado para 2021 tem uma norma que abrange esta área, foi regulamentada e irá entrar em vigor no próximo mês", disse Marta Temido. Assim, a atividade nos cuidades de saúde primários vai crescer e incluir horários alargados, além dos horários normais de trabalho, "para permitir mais acesso porque, de facto, estamos a notar obviamente que há menos referenciações hospitalares", afirmou a ministra, reconhecendo que vai demorar muito para recuperar das consequências da covid-19 "ao nível social, ao nível económico e, também, ao nível dos outros cuidados de saúde".

Marta Temido lembrou que, apesar de tudo, as consultas nos centros de saúde aumentaram no ano passado, um crescimento suportado sobretudo no reforço das consultas não presenciais. "Apesar de o ano de 2020 ter sido um ano como todos conhecemos, aumentaram o número de consultas médicas em 2020 face a 2019. É certo que isso foi conseguido também à custa da atividade não presencial, mas de qualquer forma houve mais um milhão de consultas médicas realizadas", afirmou. Em 2020, houve menos 7,8 milhões de consultas presenciais, valor que foi compensado por um duplicar de consultas não presenciais, que passaram de 9,1 milhões em 2019 para 18,5 milhões no ano passado.

O Ministério da Saúde pretende aumentar este ano as consultas externas hospitalares em 9,5% e as cirurgias programadas em 22%, através do mecanismo de incentivos à recuperação da atividade assistencial. Dados avançados por Marta Temido indicam que em janeiro de 2021 se registou um decréscimo de cerca de 194 mil consultas hospitalares e de 19 mil cirurgias face ao mês homólogo de 2020, quando as instituições ainda estavam a trabalhar normalmente.

"[O plano para 2021 prevê] aumentos de 9,5% nas consultas externas, designadamente contratualizar mais 17% de primeiras consultas e 7% de consultas subsequentes (...) e um aumento de cirurgias programadas que contratualizámos com os nossos hospitais em 22%", detalhou. Marta Temido espera alcançar estas metas com o estímulo à atividade assistencial, decorrente do mecanismo de incentivos criado em meados de 2020, com o recurso a outros setores de atividade, à subcontratação, com "um melhor trabalho em rede" e com um controle da pandemia para níveis que permitam diminuir a perda da atividade assistencial programada como aconteceu em setembro e outubro de 2020.

Sobre a ideia de que a sociedade está fechada para proteger o SNS, a ministra disse que muitas vezes dá consigo a pensar "o quão errado isso é". "O objetivo de travar a transmissão não é para poupar o Serviço Nacional de Saúde é para poupar 'entre aspas' as mortes evitáveis por covid, as sequelas de covid que sabemos que também são uma nova área de atividade assistencial para a qual estamos a prepararmo-nos, mas também as outras patologias", concluiu.

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