A vacina russa contra a covid-19 (Sputnik V) está a surpreender o mundo desde o seu nascimento. Em agosto, o Estado russo anunciou a vacina antes de todos os ensaios clínicos exigidos terem sido realizados e recentemente a eficácia da vacina foi finalmente conhecida: 91,6%. Esta prova de força tornou a vacina criada com o apoio do Kremlin muito desejada em todo o mundo: da Argentina ao Paquistão, passando pela Tunísia e pela Argélia, já são mais de 50 os países que querem a Sputnik V. Porém, essa elevada procura está a começar a causar problemas na distribuição.
A Rússia tem uma capacidade limitada para produzir a Sputnik V e por isso o Russian Direct Investment Fund (RDIF), o fundo estatal que controla a distribuição da vacina, está a procurar fechar acordos com países onde a indústria farmacêutica está mais desenvolvida, incluindo nesses acordos cláusulas que permitem à Rússia receber milhões de doses da sua própria vacina - e assim proteger a sua população.
Esta quarta-feira, o RDIF adiantou ao Financial Times (FT) que assinou contratos de produção com 15 empresas em dez países diferentes, num total de 1.4 mil milhões de doses, o suficiente para vacinar 700 milhões de pessoas. Alguns destes países - como a China, a Índia ou a Coreia do Sul - vão produzir a Sputnik V para exportá-la para outros locais, enquanto outros - como o Brasil e a Sérvia - terão de se preocupar apenas com o seu próprio mercado interno.
“Temos alguns grandes players [que] vão produzir para todo o mundo e temos fábricas mais pequenas que vão produzir para dar conta da procura interna. Esta é a nossa abordagem. Resolve o problema da produção em larga escala, ao mesmo tempo que oferece disponibilidade local”, disse ao FT Cyrillic Dmitriev, responsável da RDIF.
No entanto, apesar de este método resolver o problema da produção, também faz com que a Sputnik V fique à mercê de uma “vasta rede” de “empresas privadas subcontratadas”, nota o FT, todas elas a operar sob diferentes reguladores em diferentes países. E isso conduz à lentidão: algumas destas empresas garantiram ao Financial Times que vão demorar meses até conseguirem produzir a Sputnik V na máxima força.
Só as fábricas no Brasil e na Índia, por exemplo, são responsáveis por produzir mais de metade das doses previstas pelo RDIF. Ora, representantes destas fábricas disseram ao FT que a produção dessas doses ainda nem começou. A União Química, uma empresa brasileira com acordo com o estado russo, disse que a sua produção ainda está numa fase inicial e que só vai conseguir atingir a marca de oito milhões de doses mensais em maio. E a GL Rapha, fabricante sul-coreana dedicada apenas à exportação, admitiu que não tem capacidade para cumprir o acordo que fez com o RDIF - 150 milhões de doses num ano - e por isso viu-se obrigada a subcontratar a produção a outra empresa, além de já ter expandido as suas próprias instalações.
“700 milhões [de pessoas vacinadas] é um número muito alto e é improvável [que seja atingido], dado o ritmo atual”, comentou Rasmus Bech Hansen, responsável pela Airfinity, plataforma de análise científica e estatística. “Cada sítio pode enfrentar diferentes problemas. Quando se trata de subcontratar, demora algum tempo até a qualidade estar garantida e a produção começar”, acrescentou. Por isso, Hansen baixa as expectativas dos russos: “Acreditamos que uma produção total de 380 milhões de doses em todo o ano de 2021 seja uma meta mais realista. Mas se a produção na Índia não for elevada, esse número pode ser significativamente menor”, alertou.
Segundo dados da própria Airfinity, até agora só terão sido administradas oito milhões de doses da Sputnik V. Ao FT, Cyrillic Dmitriev recusou revelar os atuais níveis de produção da vacina estatal, mas garantiu que o RDIF vai anunciar no próximo mês o plano completo referente à produção da Sputnik V no estrangeiro.