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Coronavírus

Luís perdeu o medo do vírus mas virou um “homem eremita”

Luís perdeu o medo do vírus mas virou um “homem eremita”
José Fernandes

A asma fez Luís Oliveira Martins, professor universitário, ter muito medo do vírus e evitar sair de casa e cruzar-se com pessoas na rua e no supermercado. Sentiu ansiedade como já não sentia há muito tempo, algum pânico também, e o sono “quebrado”. “Já não uso o quarto só para dormir. Às tantas, dou por mim a corrigir testes lá. Está uma rebaldaria.” Precisou de seis meses para aprender “a viver com a pandemia”. Tem mais informação sobre o vírus hoje em dia, já conhece melhor os “riscos” que corre e há ainda outra coisa: “Tive mesmo de desligar”

Meio ano depois, Luís Oliveira Martins perdeu o medo do vírus. Continua a cumprir escrupulosamente as normas das autoridades de saúde, a evitar estar com outras pessoas, a sair de casa apenas para dar pequenos passeios. Virou um “homem eremita” mas a ansiedade, essa, diluiu-se, apesar de continuar com o “sono quebrado”, como diz também. “Já não uso o quarto só para dormir. Às tantas, dou por mim a corrigir testes no meio de livros. Está uma rebaldaria.” O seu principal receio, depois do primeiro estado de emergência, era voltar aos auditórios da faculdade cheios de alunos e ser contagiado por um deles, ou contagiá-los — Luís tem asma desde adolescente e isso não é apenas um detalhe. Entretanto voltou ao ensino, e percebeu que não precisava de ter medo, “porque estava tudo muito organizado” e sentiu-se “seguro”. Nem o facto de ter tido alunos infetados com o vírus dentro da sala de aula o atormentou. O que também o ajudou, ao longo dos últimos meses, foi “gerir a informação sobre a pandemia” de uma forma que não fazia antes. “Só assisto a um noticiário por dia. Não quero saber da pandemia a não ser uma vez por dia. Antes via tudo, quantos casos novos de infeção, quantas mortes, várias vezes ao dia. Mas agora não. Vejo muito menos televisão e isso permitiu-me adaptar melhor a esta situação. Tive mesmo de desligar.” Luís Oliveira Martins diz ter aprendido a “viver com a pandemia, “como muitos portugueses”, mas chegou a viver o pior. Esta é a história dos seus últimos seis meses.

Capítulo 1. 19 de maio

Em maio, foi decretado o fim do estado de emergência em Portugal, mas Luís continua a sair só para um curto passeio nas redondezas, sem se afastar muito de casa, e continua a ficar incomodado se nota que tem alguém muito perto de si na fila para a farmácia e a evitar cruzar-se com pessoas nos corredores dos supermercados — se ao virar vê alguém, volta para trás, procura um corredor vazio, segue, mas se de repente percebe que já não está sozinho de novo faz o mesmo movimento, para trás, há que jogar pelo seguro.

Nas ruas o mesmo, passeio com gente é igual a passeio proibido, na sua cabeça pelo menos é, e isso basta para ser. Um passeio e ei-lo, o inimigo, o que virá dentro dele. A doença, talvez a doença, a doença não, mas o seguro, há que jogar por ele, e, como dizia o outro, nunca te metas num sítio de onde não possas sair sozinho. O inimigo que, afinal, seria uma pessoa igual às outras, mas se já antes ninguém era bem igual a ninguém hoje ainda é menos. “A minha vida praticamente não mudou desde o estado de emergência”, diz. Encontros com a família são raros, com amigos e colegas ainda mais. Idas a restaurantes também já não fazem parte das suas rotinas, mas abre exceções: “Vou se houver uma esplanada ou se eu conhecer o dono há 20, 30 anos, e talvez até os filhos dele. Caso contrário, não.”

Capítulo II. 15 de junho

O problema é a asma. A asma que descobrira ter em adolescente e que em momentos de aflição lhe apertava a garganta e deixava-o sem ar. Estou ansioso e por isso vem a asma ou a asma vem e tira o ar e por isso fico ansioso? A dúvida sempre foi essa e, à falta de uma resposta definitiva, aceitou que as duas pudessem existir em simultâneo, num ciclo nem sempre fácil de quebrar. A chegada da pandemia acabou por ser o gatilho. “Com o confinamento voltaram os fantasmas da asma, voltou a dificuldade de respirar. Sentia a garganta bloqueada, como se tivesse qualquer coisa aqui que não deixava passar o ar. Enfim, entrei um bocadinho em parafuso”, conta Luís, sentado na esplanada de um café num jardim perto da faculdade onde dá aulas de Economia, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Está sem máscara e assim irá continuar o resto da conversa. O que mais o preocupa é não poder voltar à faculdade em setembro. E isso seria o fim, porque tudo pode cair, nós podemos cair, mas o trabalho não. “Acho que é uma coisa de família.”

Uma amiga psiquiatra sugeriu-lhe recentemente que mais depressa era asma do que ansiedade, mas Luís só acreditou quando subiu a correr um lanço de escadas e, já lá em cima, percebeu que “não estava cansado como estaria se estivesse com uma crise de asma”. Vitória? Só se for para quem viu de fora. “Decidi fazer alguns exames, incluindo um eletrocardiograma, para ficar mais descansado”.

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