Coronavírus

Costa vai dizer a Marcelo o que pensa sobre o estado de emergência: para tomar medidas mais restritivas?

Costa vai dizer a Marcelo o que pensa sobre o estado de emergência: para tomar medidas mais restritivas?
TIAGO MIRANDA

Uma possibilidade em cima da mesa é o recolher obrigatório, mas para isso é necessário o estado de emergência. O primeiro-ministro anunciou limitações para travar a progressão de contágios em 121 concelhos: dever cívico de confinamento, teletrabalho obrigatório, comércio a fechar às 22h, feiras proibidas, MotoGP sem público

A evolução da pandemia demonstrada pelos gráficos mostrados por António Costa ao início da noite deste sábado - depois de um Conselho de Ministros que durou mais de oito horas -, apresenta um quadro de tal gravidade que o primeiro-ministro pode entender ser necessário ir mais longe na severidade das medidas anunciadas, apesar da dureza daquelas que vai aplicar à maioria da população portuguesa. Ao revelar que pediu uma audiência ao Presidente da República para lhe "transmitir" o que pensa sobre o estado de emergência, o chefe do Governo (que é adepto de uma filosofia gradualista) está a admitir que pode tomar medidas ainda mais gravosas para os concelhos que estão abrangidos pelas restrições. Ou quer saber se o Presidente acha que para as medidas presentes, basta o quadro legal existente.

António Costa explicou, no final da conferência de imprensa deste sábado, que "o estado de emergência em si é um quadro", ou seja, serve para enquadrar outras decisões mas "não significa o mesmo conteúdo do estado de emergência de março passado", explicou, sem revelar as razões por que ia propor a Marcelo Rebelo de Sousa uma nova situação excecional quanto a direitos, liberdades e garantias. Apesar de Costa não o ter explicitado, o Expresso sabe que o recolher obrigatório é uma possibilidade em cima da mesa, mas esta restrição só pode avançar protegida sob o estado de emergência. "Nunca poderia ser adotado com as competências constitucionais de que o Governo dispõe", limitou-se a constatar António Costa - que na sexta-feira sondou os partidos sobre esta possibilidade.

O primeiro-ministro tinha revelado, na sua intervenção, ter solicitado uma audiência ao Presidente da República “tendo em vista transmitir o que o Conselho de Ministros entendeu sobre a aplicação eventual de um estado de emergência aplicável ao conjunto destes 121 concelhos, ou dos concelhos que venham a ser abrangidos, caso venham a cumprir o critério de 240 novos infetados por 100 mil habitantes”. Ou seja, como as medidas apresentadas terão cobertura legal pelo estado de calamidade (resta sabe se o chefe do Governo concorda), o Governo só pode ir mais longe a coberto de uma exceção mais musculada.

Desta vez, o jogo político virou: em março, foi Marcelo que praticamente impôs essa opção ao Governo, mas agora será diferente (o Expresso avançou na edição deste sábado, que deveria ser Costa a sugerir a escalada no estado de exceção e não o Presidente a ter a iniciativa). Em resposta aos jornalistas, António Costa devolveu a bola Marcelo Rebelo de Sousa. Recordou que a declaração do estado de emergência compete ao Presidente, que também tenciona ouvir a respeito do debate que tem sido travado sobre a constitucionalidade de uma série de medidas restritivas, sem que esse mecanismo de exceção seja acionado (Rebelo de Sousa avisou, por exemplo que a limitação de viajar entre concelhos este fim de semana era apenas uma recomendação reforçada). Só depois do encontro em Belém, referiu o primeiro-ministro, revelará a posição do Executivo sobre a necessidade de ser decretado o estado de emergência.

Um mapa quinzenal para as novas restrições

Para ter uma base de forma a aplicar as novas restrições, o Governo vai mesmo avançar com um mapa de risco por concelhos, adotando o critério do Centro Europeu do Controlo das Doenças. Nos municípios em que houver 240 (ou mais) pessoas infetadas com Covid-19 por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias, as medidas de contenção serão mais severas, à semelhança do que sucede com Paços de Ferreira, Lousada e Felgueiras. A cada quinzena, em Conselho de Ministros, o Executivo atualizará a lista, podendo haver entrada e saída de autarquias do "vermelho".

As restrições que entram em vigor já no dia 4 de novembro, explicou António Costa, vão ter especial relevo nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, onde existem vários concelhos de "risco elevado". No total nacional, serão abrangidos 121 municípios (70% da população residente), num englobando 7,1 milhões de portugueses.

Pessimista, o chefe do Governo disse que não vai "criar falsas expetativas" porque "o mês de novembro vai ser muito duro e muito exigente". As medidas a aplicar nestes concelhos começam pelo dever cívico de recolhimento domiciliário. Será como “o que vivemos nos meses seguintes ao fim do estado de emergência", explicou o primeiro-ministro. "Se nada tivermos de fazer de imperioso, devemos ficar em casa. Podemos sair para ir trabalhar, ir à escola, fazer compras ou exercício físico, passear os animais, dar assistência a alguma pessoa, as exceções são conhecidas".

As medidas previstas, que abrangem 70% da população, para já, incluem o desfasamento dos horários de trabalho, o encerramento dos estabelecimentos comerciais às 22h, os restaurantes às 22h30 e as mesas nos restaurantes limitadas a 6 pessoas - as reuniões em casa restringidas a 5 pessoas. O teletrabalho será obrigatório para quem o puder fazer, salvo impedimetno do trabalhador. As regras entram em vigor a 4 de novembro e a lista de concelhos será revista todos os 15 dias.

António Costa
TIAGO MIRANDA

Na conferência de imprensa em que anunciou o novo rol de restrições, Costa também revelou uma parceria com a Cruz Vermelha Portuguesa, que terá início no dia 9, para que seja criado um programa de "testes rápidos" à Covid-19, que permitirão detetar quase "instantaneamente" o vírus, ainda que o grau de precisão seja menor.

O primeiro-ministro garantiu ainda que vai proceder à “contratação de enfermeiros reformados para rastreio de contatos”, em “condições idênticas às adotadas no início do ano para médicos reformados”. Haverá, assim, um regime excecional de contratação de enfermeiros para cuidados intensivos, contratados não a termo, mas para serem integrados na carreira, através de um concurso que incentive os enfermeiros a concorrer. Serão abertas até 350 vagas de enfermeiros para as UCI, que decorre em paralelo com os concursos para os novos médicos tendo em vista essas unidades. Segundo o PM, haverá mais 48 médicos intensivistas, e outros 46 em janeiro. Não basta ter os equipamentos, mas “é fundamental um elemento crítico, que são os recursos humanos”, diz Costa.

Questionado sobre quanto irá custar o reforço do SNS, o chefe de Governo apontou para um investimento suplementar no sector da saúde de 1,2 mil milhões de euros, totalizando um orçamento de € 12,1 mil milhões em 2021. "É quase tanto como a famosa bazuca da União Europeia a que o país terá acesso nos próximos seis anos", lembrou.

O primeiro-ministro disse ainda que o aumento de casos pode levar a pressão "insustentável" sobre o SNS e um "agravamento significativo da nossa situação de saúde pública". Logo no arranque da intervenção fez um enquadramento da situção atual - referindo a quebra no PIB de 13% no segundo trimestre, seguido de uma subida de 13,2% no terceiro. Costa deu ainda conta de que não só a economia sofreu, mas também houve um "enorme custo afetivo nas famílias" sobretudo por causa dos idosos. Em todo o caso, em resposta aos jornalistas, assegurou que o SNS "não esgotará a sua capacidade de resposta". "Estamos muito longe dessa situação", garantiu.

Sobre o Natal, que Marcelo admitira poder ser repensado, Costa explicou ser "prematuro" estar já a pensar em medidas musculadas. E não pôs de parte maiores limitações algures na primeira quinzena de dezembro. Pediu apenas que os portugueses sigam as regras todas até para que, até ao final de dezembro, não seja preciso "fazer nada mais grave". Ponto assente é que não haverá novamente público nas bancadas do Autódromo Internacional do Algarve, quando no fim de semana de 20 a 22 de novembro, houver MotoGP no Algarve.

Escaldado com as imagens dos aglomerados quando se realizou a Fórmula 1, o primeiro-ministro salientou que ficou demonstrada a incapacidade dos promotores do Grande Prémio para organizarem um evento daquela magnitude sem que o público corra riscos. Conclusão: a prova do mundial de motociclismo decorrerá à porta fechada.

Todas estas decisões surgem após uma reunião, que começou com um ligeiro atraso e que durou cerca de oito horas. Na véspera, o Executivo - que resistiu a seguir o caminho de outros países europeus, como Bélgica, França, Irlanda ou País de Gales, que regressaram ao confinamento total como na primeira vaga da pandemia - ouviu os partidos da oposição, os representantes dos patrões e os sindicatos sobre o endurecimento das medidas agora anunciadas.

Entre as hipóteses que estavam em cima da mesa estava o recolher obrigatório, o encurtamento dos horários de funcionamento do comércio e da restauração, a limitação de eventos e espetáculos e um mecanismo que imponha o teletrabalho obrigatório (sempre que tal seja possível). Além disso, o Governo admitia acolher a sugestão do PSD de mapear o risco territorialmente, introduzindo os chamados "semáforos" por concelho ou por freguesia, em função do número de infetados por total de habitantes.

Por outro lado, nas audições os partidos e com os parceiros sociais, foi notória a resistência do Governo em regressar a um confinamento total. Como o Expresso escreveu na edição impressa desta semana, a filosofia de Costa assentou sempre no gradualismo: as medidas mais duras só avançariam no caso de as restantes não funcionarem. E há medidas mais duras à espera.

NOTA: O título "Costa pede a Marcelo para decretar estado de emergência para tomar medidas mais restritivas" foi alterado às 12h35 por não ser absolutamente rigoroso em relação ao que disse o primeiro-ministro na conferência de imprensa.

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