A comunicação entre a equipa de médicos de Donald Trump, os assessores do Presidente dos Estados Unidos e a imprensa tem sido caótica; as mensagens, confusas quando não contraditórias.
Enquanto os seus médicos garantiam, no domingo, estava “a correr tudo muito bem”, começavam a ser conhecidos detalhes sobre o tratamento a que Donald Trump estaria a ser submetido - e não é aquele que normalmente segue alguém que está “a ir muito bem”. Brian Garabaldi, um dos médicos de Trump, citado pelo jornal “Guardian” ,descreveu assim o estado de saúde do presidente norte-americano: "Ele tem estado sempre ativo. Se continuar a sentir-se e a estar como está, é possível que tenha alta já amanhã (esta segunda, dia 5) e que possa regressar à Casa Branca, onde poderá continuar o tratamento".
Mas os rumores de que Trump teve de receber oxigénio suplementar adensavam-se e Sean Conley, outro dos especialistas a acompanhar o Presidente, teve de admitir que Trump, de facto, precisou dessa ajuda logo na sexta-feira. "Durante este período, o Presidente sofreu dois episódios de queda dos níveis de oxigénio e precisou de receber oxigénio suplementar durante uma hora, enquanto esteve na Casa Branca".
A queda de oxigénio pode significar que os pulmões do paciente já estão afetados - pelo menos este tem sido em sintoma registado em pessoas com casos mais complicados de covid-19. Qualquer saturação abaixo dos 94% (Trump atingiu pelo menos 93%) é preocupante, como explicam os estudos feitos sobre esta consequência específica da covid-19.
Há mais informações que estão a causar alguma confusão na opinião pública: o facto de Donald Trump estar atualmente a tomar vários medicamentos: além de uma mistura de anticorpos sintéticos e do antiviral Remdisivir, o Presidente também está a tomar dexametasona, um tratamento recentemente aprovado pela Agência Europeia do Medicamento mas que se destina a pacientes com casos graves de covid-19, aqueles que normalmente necessitam de receber doses suplementares de oxigénio ou ventilação mecânica.
Trump, a julgar pelo vídeo onde aparece a agradecer o cuidado “dos patriotas” que estão concentrados perto do hospital onde está a ser acompanhado, está bem, nada na sua aparência física denota uma doença grave. Mas então para quê a dexametasona?
O “New York Times” foi tentar entender junto de alguns médicos que não estão a tratar o Presidente mas que têm acompanhado outros casos graves de covid-19 o que pode explicar este bombardeamento de remédios. “Para mim, o uso da dexametasona é a parte mais incompreensível. Não é suposto ser administrada a menos que o quadro clínico de um paciente se deteriore rapidamente”, disse Thomas McGinn, diretor do Northwell Health, a maior cadeia de cuidados de saúde no estado de Nova Iorque. “Estão a atirar-lhe tudo para cima e é legítimo que nos perguntemos se ele está num estado mais grave do que sabemos ou se os seus médicos estão a ser muito agressivos com o tratamento, de uma forma que até o pode estar a prejudicar”, completou o especialista em declarações ao diário nova-iorquino.
Nos estudos primeiramente realizados no Reino Unido, a dexametasona mostrou-se benéfica naqueles pacientes que permaneciam doentes por mais de uma semana, reduzindo as mortes em um terço entre os pacientes ligados a ventiladores mecânicos e em um quinto entre os pacientes que recebiam oxigénio suplementar por outros meios.
A taxa de mortalidade entre os pacientes que receberam o esteróide mas que não estavam ligados a qualquer fonte extra de oxigénio (comparada com aqueles que não tomaram dexametasona) foi um pouco mais alta, embora a diferença não tenha sido estatisticamente significativa. Ainda assim, apenas a possibilidade de que numa primeira fase da doença a dexametasona possa ser mais prejudicial do que benéfica levou os principais investigadores a alertar que este anti-inflamatório pode prejudicar a ação do sistema imunitário se administrado demasiado cedo.
Ester Choo, mais uma especialista contactada pelo “New York Times” não tem dúvidas: “Isto já passou da fase do prognóstico positivo. Já não estamos a falar de ‘abundância de precaução’”, a frase utilizada pelos médicos quando decidiram internar o Presidente dos Estados Unidos no Hospital militar de Walter Read.
No domingo, Trump decidiu sair do hospital para cumprimentar os seus apoiantes e voltou rapidamente para as instalações hospitalares. Ainda assim, não escapou às críticas já que o carro onde seguiu é hermeticamente fechado, um ambiente que os médicos descrevem como “extremamente propício” à propagação do vírus.
James Phillips, médico de emergência precisamente no hospital Walter Reed, escreveu no Twitter: “Cada pessoa dentro do veículo durante este passeio presidencial completamente desnecessário precisa agora de estar em quarentena 14 dias. Podem ficar doentes. Podem morrer, só por causa de teatro político. Trump colocou a vida destas pessoas em risco em nome de um teatro político. Isto é loucura. É um nível de irresponsabilidade é impressionante".
Antes de sair para visitar os apoiantes, Trump fez um vídeo onde se mostrou um pouco mais humilde do que o normal. “Foi uma jornada muito interessante”, disse Trump num vídeo de um minuto colocado na rede social Twitter antes de fazer a tal surpresa aos apoiantes. “Aprendi muito sobre a covid. Aprendi realmente, esta é a verdadeira escola. Esta não é a escola dos livros. E eu entendo, eu entendo a situação: é uma coisa muito interessante e vou contar-vos tudo”.