Coronavírus

Brasil. Jornais juntam-se para divulgar a informação que o governo de Bolsonaro quer esconder

Jair Bolsonaro, durante uma conferência de imprensa em Brasília, a 18 de março
Jair Bolsonaro, durante uma conferência de imprensa em Brasília, a 18 de março
Andre Coelho/Getty Images

"Não informar significa o Estado ser mais nocivo do que a doença, ser mais nocivo do que o vírus", acusou Luis Henrique Mandetta, o ex-ministro da Saúde do país

Depois do apagão de dados sobre o novo coronavírus promovido pelo governo, alguns dos mais importantes jornais e publicações de notícias do Brasil anunciaram uma parceria para cobrir todo o território e divulgar as informações que foram agora sonegadas, escreve o “G1”.

“Em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia de covid-19, os veículos ‘G1’, ‘O Globo’, ‘Extra’, ‘O Estado de S.Paulo’, ‘Folha de S.Paulo’ e ‘UOL’ decidiram formar uma parceria e trabalhar de forma colaborativa para buscar as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal”, pode ler-se no artigo acima mencionado. “O governo federal, por meio do Ministério da Saúde, deveria ser a fonte natural desses números, mas atitudes recentes de autoridades e do próprio presidente colocam em dúvida a disponibilidade dos dados e sua precisão."

A mudança deu-se no sábado. Depois de três dias a divulgar os dados da pandemia perto das 22 horas, já depois de terminado o “Jornal Nacional” (Rede Globo), o noticiário com maior audiência do Brasil, o governo de Jair Bolsonaro alterou a plataforma que dava conta do estado da covid-19 no país, contava então este artigo da versão brasileira do “El País”.

Os números totais de casos e óbitos deixaram de estar disponibilizados, assim como as tabelas que mostravam a famosa curva que permite compreender a evolução da doença, e foram apagados também os gráficos que esmiuçavam infeções e mortes por estado. Ou seja, a partir de agora as autoridades de saúde apenas revelam os dados relativos ao que se passou na véspera, às 24 horas anteriores.

Na véspera, na sexta-feira, Bolsonaro, que entretanto chamaria “TV Funerária” à Globo, deu sinais de insatisfação pela forma como a imprensa trata os números. “A pessoa tem dez comorbidades, está com 94 anos e pegou o vírus. Potencializa. Parece que esse pessoal que… ‘O Globo’, o ‘Jornal Nacional’ gosta de dizer que o Brasil é recordista em mortes. Falta, inclusive, seriedade: bote mortos por milhões de habitantes. É querer comprar mortes no Brasil, que tem 210 milhões de habitantes, com países que têm 10 milhões.”

No sábado, ao “Jornal Nacional”, o coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Sérgio Cimerman, criticou a medida. “A gente não tem uma fotografia adequada. Nós não sabemos, na verdade, quantos casos a gente tem semanalmente, aumentando ou não, e quantos casos estão com óbito, e aí a gente não consegue mensurar de modo adequado como é que vai caminhar a pandemia no nosso país nesse momento.” Outras entidades médicas repudiaram a medida.

Já o presidente da Câmara dos Deputados e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Rodrigo Maia, reagiu no Twitter e falou em perversidade. “Brincar com a morte é perverso. Ao alterar os números, o Ministério da Saúde tapa o sol com a peneira. É urgente resgatar a credibilidade das estatísticas. Um ministério que tortura números cria um mundo paralelo para não enfrentar a realidade dos factos.”

De acordo com o “El País”, que fala em “apagão” de informação, o Ministério Público Federal avançou com um processo extrajudicial para apurar a exclusão daqueles dados e informações, estabelecendo um prazo de 72 horas para o general Eduardo Pazuello, o ministro interino da Saúde, explicar-se.

A juntar à crise sanitária, figurando já como segundo país do mundo mais castigado pela pandemia, o governo de Bolsonaro vai vivendo em turbulência depois da saída de dois ministros da Saúde: Luis Henrique Mandetta e Nelson Teich, em abril e maio, respetivamente.

Mandetta, que abandonou o governo por divergências quanto à abordagem ao vírus e à mensagem que poderia confundir os brasileiros, reagiu à decisão logo no sábado: "Do ponto de vista de saúde, é muito ruim, é uma tragédia o que a gente está vendo, de desmanche da informação", começou por dizer num direto promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. “Parece-me que estão querendo fazer uma grande cirurgia nos números dos protocolos público. (...) Não informar significa o Estado ser mais nocivo do que a doença, ser mais nocivo do que o vírus.”

O número 2 de Jair Brasileiro, Hamilton Mourão, veio a público no domingo desvalorizar a decisão. Afinal, segundo o próprio, “é uma questão de somar”, pode ler-se neste artigo do “G1”. Em entrevista coletiva, em Porto Velho, Hamilton referiu que as decisões dessa natureza não passam por ele.

“Em relação ao dados do Ministério da Saúde, a única coisa que eu vi, essas decisões não passam por mim, foi que os dados estão sendo transmitidos mais ‘pra tarde, dentro de uma questão de buscar os dados mais corretos e não está havendo somatória. Eles estão divulgando o número de casos confirmados e aquele dado que nenhum de nós gosta que é de óbitos. É uma questão de somar os dados", explicou o vice-presidente do Brasil.

Segundo a Universidade Johns Hopkins, o Brasil soma mais de 36 mil vítimas mortais por covid-19, num universo de mais 690 mil casos confirmados. Dois estudos recentes, publicados em abril, davam conta de que o Brasil pode ter entre 12 e 15 vezes mais os casos identificados nas estatísticas oficiais.

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