Coronavírus

Covid-19. Penhoras estão suspensas mas Fisco cativa reembolsos de IRS para saldar dívidas fiscais

Covid-19. Penhoras estão suspensas mas Fisco cativa reembolsos de IRS para saldar dívidas fiscais

A Provedoria de Justiça tem recebido queixas de contribuintes cujos reembolsos do IRS foram apreendidos no âmbito de processos de execução fiscal, mesmo estando essa possibilidade vedada, temporariamente, à Autoridade Tributária. Com a pandemia passou a vigorar uma legislação excecional para auxiliar as famílias e as empresas que ‘congelou’ até final de junho os efeitos das penhoras

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) está a cativar reembolsos de IRS a contribuintes alvo de processos de execução fiscal por causa de dívidas de impostos enquanto vigora o período de suspensão destes atos, segundo a Provedoria de Justiça.

Num ofício de 4 de maio de 2020 enviado à AT por este órgão de Estado independente, liderado por Maria Lúcia Amaral, é referida a existência de queixas a denunciar a apreensão de reembolsos de IRS no âmbito de processos de execução, quando no âmbito das medidas fiscais para mitigar os efeitos da pandemia por covid-19 nos rendimentos dos contribuintes foi determinado que este tipo de ato de cobrança coerciva está vedado aos serviços do Fisco até ao final de junho (com esta legislação extraordinária também está em vigor a prorrogação de prazos declarativos e de pagamento de impostos, bem como a entrega dos valores devidos ao Estado através de prestações).

Segundo a Provedoria, “a compensação com reembolsos desta natureza (que também são créditos tributários), relacionada com dívidas em execução fiscal, corresponde a um ato de cobrança coerciva, vedado entre 9 de março e 30 de junho de 2020, por força daquela medida de suspensão”.

Acautelar os rendimentos dos executados

Numa resposta da AT a uma anterior recomendação da provedoria, onde são elencados vários aspetos que devem ser clarificados e corrigidos ao nível do mecanismo de suspensão das execuções fiscais, era dito que a administração tributária “está impedida, no âmbito das presentes medidas de contingência, de proceder à compensação de créditos tributários nos termos do artigo 89.º do CPPT [Código de Procedimento e de Processo Tributário]” e que, com isso, se pretendeu “assegurar que o executado não sofresse uma diminuição dos seus rendimentos atuais”.

Porém, não é isso que está a acontecer e na comunicação do provedor-adjunto, Joaquim Cardoso da Costa – dirigida à diretora-geral da AT, Helena Borges – faz notar que a AT defende que a informação que consta no Portal das Finanças relativa a FAQ (perguntas e respostas frequentes) sobre as medidas no âmbito da covid-19 “apenas se reporta a créditos resultantes de penhoras ou vendas (excessos, portanto)”.

Os reembolsos de IRS são mencionados especificamente numa das FAQ do site do Fisco: “Tenho um reembolso que foi cativado à ordem de um processo de execução fiscal, a AT vai-me restituir esse valor? Não, esse valor manter-se-á à ordem do processo executivo, mas não será aplicado no mesmo. Se pretender aplicar essa verba para pagamento no processo deverá solicitar que a mesma seja compensada, mediante de pedido escrito dirigido ao Serviço de Finanças”.

Ou seja, a FAQ em causa “alude, literalmente, a um reembolso que foi cativado, para informar que não é restituído, e que pode ser aplicado a pedido do executado”, frisa Joaquim Cardoso da Costa.

Contribuintes queixam-se à Provedoria

Para o provedor-adjunto a FAQ em causa é “dúbia”, “seja por existirem reembolsos que resultam de liquidações de impostos (que não de atos de cobrança coerciva), seja por a expressão poder ser (e o ser, de facto) correntemente associada àquele tipo de reembolsos (designadamente, de IRS)” e pede uma reformulação que seja “clarificadora”.

Além disso, sublinha que “esta questão é especialmente preocupante, também pelo número de queixas entretanto recebidas na Provedoria de Justiça, denunciando a apreensão de reembolsos de IRS liquidados nesta época (própria), coincidente com a suspensão em causa”.

Joaquim Cardoso da Costa tem liderado, desde o início de abril, as diligências da Provedoria junto de várias entidades (além do Fisco, também foi contactado o sector bancário e a Segurança Social) para acautelar os direitos dos contribuintes à luz das novas regras que impedem a execução de penhoras de salários ou de contas bancárias.

Fruto de reclamações por parte de executados, a Provedoria sugeriu “adaptações de procedimentos para assegurar a suspensão efetiva dos efeitos práticos de todos os processos de execução fiscal em matéria de penhoras (ou outros atos coercivos) por parte da AT. Um dos problemas colocou-se ao nível da penhora de pensões e em resposta a AT esclareceu que “comunicou oportunamente à Caixa Geral de Aposentações, ao Instituto da Segurança Social e à Associação Portuguesa de Bancos que se abstivessem de promover a cativação de verbas decorrentes de penhoras, onde se inclui a penhora de pensões. Do mesmo modo, determinou aos serviços que, caso aquelas entidades procedessem indevidamente à penhora e depósito de verbas, e o contribuinte não pretendesse aplicar tais montantes no pagamento da dívida, os mesmos deveriam ser restituídos”.

Restituição automática dos valores cativados

Outro problema identificado pela provedoria teve que ver com a necessidade “viabilizar a restituição, a pedido do executado, de valores entregues à AT em resultado de penhoras de vencimentos e de saldos bancários, mas também nas de pensões e créditos omitidas nas FAQ”. O gabinete da diretora-geral do Fisco esclareceu que “sobre esta matéria foram recentemente divulgadas por esta Direção de Serviços instruções aos serviços no sentido de promoverem, a pedido do executado, a restituição das verbas penhoradas”.

Entretanto, foram identificadas também penhoras efetivadas durante o período de suspensão dos processos de execução fiscal, o que no entender da AT é possível e não devem ser canceladas, embora as mesmas não possam produzir efeitos. Nestes casos específicos, a provedoria sugere que a restituição dos valores cativados seja feita de forma automática: “Os valores em causa serão passíveis de restituição automática, porque a AT reúne todas as condições para os identificar como indevidamente apreendidos, pela especificidade desta situação”, que é “bem distinta” dos montantes apreendidos ao abrigo de penhoras ordenadas antes da suspensão.

A provedoria aguarda respostas da AT, nomeadamente, sobre os reembolsos de IRS e sobre a restituição automática de valores apreendidos. O Expresso contactou o gabinete do Ministério das Finanças, mas ainda não obteve esclarecimentos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ASSantos@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate