Coronavírus

Grupos do Facebook contra a quarentena nos Estados Unidos arquitetados por ativistas anti-aborto e pró-armas

Grupos do Facebook contra a quarentena nos Estados Unidos arquitetados por ativistas anti-aborto e pró-armas
JASON CONNOLLY/Getty

Não são protestos totalmente orgânicos. As várias manifestações que estão a acontecer um pouco por todos os Estados Unidos para que as medidas de contenção à covid-19 sejam aliviadas são alimentadas por grupos por sua vez dominados por três irmãos próximos da extrema-direita com historial de apoio a causas apenas para benefício monetário próprio

Grupos do Facebook contra a quarentena nos Estados Unidos arquitetados por ativistas anti-aborto e pró-armas

Ana França

Jornalista da secção Internacional

Os grupos no Facebook onde nos últimos dias se têm reunido aqueles que estão contra as leis de confinamento obrigatório nos Estados Unidos não são uma geração espontânea da sociedade civil - foram criados e estão a ser geridos por outras organizações que promovem ideologias bastante conservadoras e defendem uma versão extrema dos direitos ao porte de arma, conclui uma investigação publicada esta segunda-feira pelo diário norte-americano “Washington Post”.

Durante o fim de semana milhares de norte-americanos saíram à rua com cartazes a pedir o fim das limitações à circulação e a reabertura de fábricas, lojas, cafés, centros comerciais e escritórios, argumentando que o nível a que o desemprego já está a chegar (mais de 16 milhões de norte-americanos já pediram subsídio de desemprego em apenas três semanas) pode prejudicar mais o país do que a pandemia.

É uma opinião partilhada por milhares de pessoas em todo o mundo mas esses milhares continuam a ser uma minoria. Nos Estados Unidos, 70% de quem vota no Partido Republicano apoia a quarentena, um número que sobe para 95% quando a amostra passa para o campo democrata. Além disso, algumas das pessoas que decidiram manifestar-se fizeram-no instigadas pelos conteúdos falsos, modificados ou exacerbados que estes grupos extremistas partilham dentro de outros grupos criados online para combinar as manifestações e falar sobre o confinamento. Fotografias de ratos azuis com a estrela de David ao pescoço, bandeiras com símbolos conotados com a extrema-direita e outros símbolos nacionalistas foram aparecendo no Twitter por parte de quem quis denunciar que estes protestos tinham sido infiltrados.

Os atores principais deste filme que parece mostrar que toda a América está contra as medidas de distanciamento social são todos da mesma família, são os irmãos Ben, Aaron e Christopher Dorr, originalmente do Minnesota e com um interesse que antecede em muitos anos a crise do coronavírus: armas.

Os três gerem vários grupos online, em vários estados, onde se reúnem os que apoiam uma progressiva liberalização do acesso a armas e são talvez das vozes mais libertárias nesta matéria: para estes irmãos a NRA, a todo-poderosa e feroz organização defensora dos direitos de quem tem armas , “é muito branda e preocupa-se em gerar consenso”. Na internet há alguns sites e fóruns de discussão criados especificamente para investigar as ações da família Dorr, que se estende por 11 estados e se divide em 24 associações, onde é possível ler que os irmãos são conhecidos por fazer uso pessoal do dinheiro que as pessoas lhes dão para campanhas contra o aborto, por exemplo, ou contra a limitação da compra de armas automáticas.

Trump não se afasta dos protestos

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, só muito relutantemente tem apoiado as medidas que lhe vão sendo explicadas pelos seus conselheiros na área da saúde mas não resistiu, tanto em resposta aos jornalistas nas conferências de imprensa como na rede social Twitter, a estender apoio a estes grupos escrevendo durante todo o fim de semana coisas como “LIBERATE VIRGINIA” no Twitter, substituindo apenas o nome do estado a cada pedido de alforria.

No domingo, o Presidente disse que os americanos estão a sentir-se “febris” e querem "voltar à sua vida" e não criticou os aglomerados que protestam pela reabertura dos negócios: “Se as pessoas se sentem assim podem protestar. Alguns governadores foram longe demais, algumas das coisas que aconteceram talvez não sejam assim tão apropriadas”. Quando um repórter lhe perguntou se a sua posição não poderia levar a que mais gente saísse de casa, prejudicando assim a saúde pública e até instando à violência, Trump negou esse facto dizendo que nunca tinha visto tantas bandeiras americanas e que “aquelas pessoas amam o nosso país e querem voltar ao trabalho”.

Quando o Presidente terminou o discurso, os principais grupos (Wisconsin, Ohio, Pensilvânia e Nova Iorque) reuniam já cerca de um quarto de milhão de pessoas, todas expostas todos os dias a muitas das notícias falsas contra as quais os responsáveis pela saúde pública lutam todos os dias: estudos que mostram que as crianças não ficam doentes com o novo coronavírus, vídeos onde supostos especialistas condenam a China pelo fabrico do vírus ou opiniões de pessoas anti-vacinas há de tudo nestes grupos.

No grupo de Wisconsin, o maior com cerca de 100 mil membros, argumenta-se nas caixas de comentários que o governador do estado, Tony Evers, está “sedento de poder e com isso controla as nossas vidas e destrói os nossos negócios, forçando as pessoas a entregar de mão beijada as suas liberdades e a sua forma de subsistência”.

A Fox News também ampliou estes protestos, filmando manifestações de dimensão reduzida mas que mesmo assim tiveram imenso espaço na grelha de programas da cadeia televisiva de Rupert Murdoch. Questionado pelo “Post”, o Facebook referiu que não cancelou os eventos organizados pelos promotores destas manifestações porque nos estados onde estas aconteceram as próprias autoridades não as limitaram. Em New Jersey e na Califórnia esses eventos foram removidos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: afranca@impresa.pt

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