Coronavírus

Doença mental, violência doméstica, luto e suicídio nas prioridades do site da DGS. “A preocupação é real, não podemos ignorar”

Doença mental, violência doméstica, luto e suicídio nas prioridades do site da DGS. “A preocupação é real, não podemos ignorar”
GIUSEPPE LAMI/EPA

Lançado no sábado passado, o site da Direção-Geral da Saúde sobre saúde mental dá informação à população em geral e às pessoas com doença mental e respetivos familiares ou cuidadores, mas são também disponibilizados contactos. “Não podemos dizer que estamos disponíveis e não apresentar a forma mais fácil de chegar até nós”, explica ao Expresso Ana Matos Pires, que é assessora do Programa Nacional para a Saúde Mental e esteve envolvida no projeto

Doença mental, violência doméstica, luto e suicídio nas prioridades do site da DGS. “A preocupação é real, não podemos ignorar”

Helena Bento

Jornalista

Quais são os objetivos e a quem se destina o site criado pela Direção-Geral da Saúde sobre saúde mental, lançado no sábado passado? Em entrevista ao Expresso, Ana Matos Pires, assessora do Programa Nacional para a Saúde Mental que esteve envolvida no projeto, ajuda a responder a estas e outras perguntas. “Se tivesse de resumir, diria que a nossa principal preocupação foi a de dar informação para a população em geral, no sentido de prevenir o adoecer mental e de manter a saúde mental, e informação específica para pessoas com doença mental, e respetivos familiares ou cuidadores”, diz.

A criação de um site, pela Direção-Geral da Saúde, dedicado à saúde mental, já tinha sido anunciada por Miguel Xavier, que está a coordenar a resposta do Governo nesta área no contexto da pandemia de covid-19. Em entrevista ao Expresso, na semana passada, o psiquiatra explicou que o “objetivo da iniciativa era o de disponibilizar informação à população, incluindo sobre onde e como procurar ajuda”.

Ana Matos Pires, diretora do serviço de psiquiatria da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, em Beja, corrobora a importância desta meta. “Não podemos dizer que estamos disponíveis e não apresentar a forma mais fácil de chegar até nós”, afirma, explicando que foram disponibilizados contactos de todos os centros de saúde e serviços locais de psiquiatria, divididos por região do país. Também a linha de aconselhamento psicológico do SNS24, em funcionamento desde 1 de abril, foi incluída no site.

O que acontece exatamente quando alguém liga para o centro de saúde da sua região? Ana Matos Pires explica, recorrendo a um “caso prático”. “A pessoa telefona para o seu centro de saúde e a chamada é encaminhada para um técnico com formação em primeiros socorros psicológicos, preferencialmente um psicólogo. Este avalia a situação e, ou percebe que consegue dar resposta à situação, e fá-lo, ou entra em contacto com os serviços de psiquiatria locais, explicando à pessoa que ligou que será contactada em breve por outro profissional.” O apoio é dado por telefone “mas, se for necessária consulta presencial, assim será”.

Doentes mentais alvo de particular atenção. “Muitas vezes são esquecidos”

Recomendações como “conversar sobre os receios com alguém em quem se confie”, “aproveitar o tempo com atividades que dão prazer” e ter “atenção às fontes de informação, diminuindo o tempo durante o qual está a ver ou a ouvir notícias que considere perturbadoras”, constam do site. Percebe-se, contudo, que é dada particular atenção à doença mental e não tanto a perturbações psicológicas como a ansiedade e o stress.

Ana Matos Pires assume que sim e que “se trata de uma preocupação legítima tendo que em conta que é uma população muitas vezes esquecida” e que, até agora, “não tinha forma de pedir ajuda diretamente”. E quando se fala de “doentes mentais, não se está só a falar de esquizofrenia, mas também depressão grave, bipolaridade, demências.” “Essa acaba por ser a grande inovação deste projeto, dar ajuda às pessoas que precisam mesmo de ajuda e podem sentir-se perdidas. Pareceu-nos mesmo essencial que houvesse uma resposta para essas pessoas", diz.

No site, promete-se dar resposta a questões sobre a medicação habitual — e o que fazer quando esta terminar — e é disponibilizada informação para cuidadores ou pessoas que têm a seu cargo familiares idosos ou com demência ou quem ajuda familiares ou amigos com doença mental. Há um separador só dedicado aos profissionais de saúde, com recomendações que lhes são dirigidas, e para coordenadores de equipas e chefias. “Quem está na linha da frente, enfrenta uma tensão brutal, trabalha mais horas do que o habitual, vê doentes a precisar de ventiladores, sem saber o que vai acontecer a seguir, e lida com a morte”, justifica Ana Matos Pires, acrescentando: “Nenhum de nós estava preparado para isto em nenhuma parte do mundo. Ser profissional da saúde é um factor de risco para a infeção e para o burnout.”

Além do apoio a estes profissionais, “houve outras duas áreas que nos pareceram importantes”, salienta a psiquiatra, referindo-se à violência doméstica, “por razões óbvias e pelas consequências para a saúde mental das vítimas”, e ao luto. “Os funerais são feitos de uma forma diferente e isso influencia os processos de luto. Expressamos tristeza e outras emoções de maneira diferente.”

Site identifica fatores de risco para o suicídio e sinais de alarme

O que chama a atenção no site é o destaque dado ao suicídio, com informação para a comunidade, profissionais e comunicação social. São identificados vários fatores de risco, como doença mental prévia, doença física incapacitante e “história de abuso de álcool ou drogas”, “ainda que qualquer pessoa possa ter pensamentos suicidas”, lê-se no site.

Há também uma lista de “sinais de alarme” a que todos devemos estar atentos, como a “melancolia, grande tristeza, desesperança e pessimismo”, abuso de álcool ou drogas, “expressão de sentimentos ou pensamentos relacionados com suicídio ou morte”, “modificações importantes dos hábitos alimentares ou do sono” e “progressivo distanciamento social de familiares e amigos”, entre outros.

Também os profissionais devem estar “atentos aos sinais de alerta e conhecer os fatores de risco”, procurar saber se há esse risco através de perguntas dando “espaço ao doente para descrever espontaneamente as suas queixas” e evitar, por exemplo, “juízos de valor” de cada vez que um doente fala sobre o assunto. “Perguntar diretamente sobre pensamentos de morte e eventual plano suicida não leva a ideação suicida nem precipita o comportamento suicidário. Pelo contrário, estas perguntas tendem a aliviar a tensão emocional e a levar a pessoa a falar abertamente sobre os seus pensamentos de suicídio.”

Meios de comunicação devem “educar a população sobre os factos do suicídio”

Já aos meios de comunicação social recomenda-se, com base num manual da Organização Mundial de Saúde dirigido especificamente aos jornalistas, “educar a população sobre os factos do suicídio e a sua prevenção, sem propagar mitos”, “fornecer informação fidedigna e acessível sobre onde procurar ajuda e como o fazer, através de apoios na comunidade, linhas de apoio, centro de saúde, serviços de psiquiatria e saúde mental e linha do SNS24 ou 112” e, ainda, “providenciar narrativas de superação da crise”, porque “podem ajudar outros a adotar estratégias semelhantes”.

De evitar “são as histórias sobre suicídio em locais de destaque, como capas de jornais, notícias de abertura”, “os detalhes sobre o método usado e o local onde aconteceu” e os “títulos sensacionalistas”. A linguagem utilizada também tem que se lhe diga, não devendo os jornalistas usar o termo “cometeu suicídio, pela sua possível associação à prática de um crime”, nem linguagem que normalize o suicídio ou a doença mental, se retirado o termo do seu contexto. Um exemplo? “Suicídio político”.

Ana Matos Pires não esconde a preocupação com o tema. “Há poucas emergências psiquiátricas e o suicídio é uma delas, a par das situações de descompensação psicóticas graves e dos quadros depressivos graves”. Não se podia, diz ainda, “constituir uma resposta na saúde mental ignorando essa emergência psiquiátrica”. “A preocupação com o suicídio é real. Não podemos ignorar e fazer de conta que não existe.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hrbento@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate