Coronavírus

Filipinas. Covid-19, “a desculpa perfeita para líderes autoritários endurecerem jugo sobre liberdades individuais”

Filipinas. Covid-19, “a desculpa perfeita para líderes autoritários endurecerem jugo sobre liberdades individuais”
Lisa Marie David/NurPhoto/Getty Images

A denúncia é feita pelo investigador da Human Rights Watch para a Ásia, Carlos Conde, após relatos de crianças despidas e trancadas em caixões e jaulas para cães por violação das regras de recolher obrigatório e de quarentena. O responsável receia que a comunidade internacional “não possa fazer muito” mas as agências da ONU “deviam investigar estas atrocidades”, sublinha, em declarações ao Expresso

Filipinas. Covid-19, “a desculpa perfeita para líderes autoritários endurecerem jugo sobre liberdades individuais”

Hélder Gomes

Jornalista

Crianças despidas e trancadas em caixões e em jaulas para cães nas Filipinas por violação das regras de recolher obrigatório e de quarentena impostas para limitar a propagação do coronavírus. A denúncia foi feita no final da semana passada pela organização não-governamental Human Rights Watch (HRW), que alertou que as autoridades do país têm sujeitado não apenas adultos, mas também crianças e jovens, a “um tratamento absurdamente abusivo”. Desde então, a situação não melhorou.

“Há casos publicados no Facebook pelos próprios perpetradores, como a humilhação de pessoas por dirigentes locais”, conta ao Expresso o investigador da HRW para a Ásia, Carlos Conde. “Num vídeo falado num dialeto local, as pessoas foram obrigadas a dançar, a fazer flexões, a beijar-se umas às outras, enquanto era tudo transmitido em direto na rede social”, descreve. O vídeo foi entretanto retirado do Facebook.

A polícia e as autoridades locais em várias partes do país maltratam pessoas detidas por violação das regras impostas, confinando-as em jaulas para cães ou forçando-as a passar horas expostas a sol intenso. Grupos de defesa dos direitos das crianças em Manila, a capital das Filipinas, relataram à HRW que também as camadas mais jovens da população são sujeitas a este “tratamento cruel, desumano e degradante por violarem as medidas de emergência”.

Na província de Cavite, a sul da baía de Manila, duas crianças foram fechadas num caixão a 26 de março como castigo pela violação do recolher obrigatório. Na semana anterior, cinco jovens foram trancados numa jaula para cães em Santa Cruz, capital provincial de Laguna, e quatro rapazes e quatro raparigas foram detidos no bairro de Binondo, em Manila. Neste caso, as autoridades cortaram o cabelo a sete das crianças e a que resistiu foi despida e obrigada a caminhar nua para casa.

Autoridades locais inebriadas pelo poder”

Após a divulgação destes relatos na sexta-feira, “não houve qualquer reação” do Presidente do país, Rodrigo Duterte, “nem as autoridades sinalizaram qualquer intenção de alterar o comportamento”. No entanto, “o chefe local que trancou os jovens está a ser investigado pelo Departamento do Interior”, diz Conte. “A maioria destes abusos é cometida por autoridades locais de baixa patente que estão claramente inebriadas pelo poder”, acrescenta o investigador.

Numa altura em que cada país está primeiramente – ou apenas – preocupado com o seu próprio combate à covid-19, o que poderá a comunidade internacional fazer em relação a estas atrocidades nas Filipinas? “Receio bem que não possa fazer muito, mas podia pelo menos manifestar preocupação. Estas são questões que serão tidas em consideração nos compromissos de direitos humanos das Filipinas com outros países”, refere o responsável da HRW. E as agências das Nações Unidas? “Deviam investigar estas atrocidades e integrá-las no sistema da ONU. Deviam reportar ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas o seu descontentamento relativamente ao que se está a passar”, sugere.

Como ficar em casa quando não há o que comer?

A pandemia atual “é, em definitivo, a desculpa perfeita para os líderes autoritários endurecerem o seu jugo sobre as liberdades individuais”, avalia Conte. “Dá-lhes todo o tipo de desculpas. Nas Filipinas, estão a reprimir as pessoas que criticam o Governo. Nas comunidades, parece haver um desprezo maciço pelas liberdades civis. Também não ajuda que Duterte tenta dito à polícia que poderia usar força letal para impor confinamentos e quarentenas”, prossegue.

De facto, o alerta da organização chegou na semana em que o Presidente deu à polícia e aos militares ordem para matar quem desrespeitar as regras relativas ao coronavírus. A HRW sublinhou que prender pessoas por violação de medidas de emergência pode até aumentar a transmissão da doença se aquelas forem colocadas muito próximas umas das outras nos centros de detenção. E sublinha que as crianças não devem ser sancionadas criminalmente por violarem estas medidas.

Sem recorrer a comportamentos abusivos, como poderão as autoridades filipinas fazer com que os cidadãos respeitem as medidas restritivas? “Penso que as necessidades das comunidades, sobretudo de comida e serviços básicos, têm de ser atendidas em primeiro lugar. Não há maneira de residentes urbanos pobres ficarem simplesmente em suas casas quando não têm o que comer. É uma questão de sobrevivência para eles e para as suas famílias, e eles veem-se obrigados a vaguear para tentarem encontrar maneiras de cuidarem das suas famílias”, alerta o investigador da HRW. “O ponto principal é: se as suas necessidades fossem atendidas, eles ficariam em casa.”

Segundo os dados mais recentes da Universidade Johns Hopkins, as Filipinas contam 3.870 casos confirmados de infeção, 182 mortos e 96 recuperados da covid-19.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hgomes@expresso.impresa.pt

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