Coronavírus

Covid-19. Bielorrússia: o futebol não pára, as ruas estão vazias e o Estado recusa decretar isolamento social

Os primeiros casos suspeitos de covid-19 na Bielorrússia datam de finais de fevereiro
Os primeiros casos suspeitos de covid-19 na Bielorrússia datam de finais de fevereiro
Natalia Fedosenko/Getty Images

Este é o relato de I. (ocultamos o nome a pedido da própria), uma bielorrussa de 32 anos que dirige programas educacionais para os média. Está fechada em casa há duas semanas e meia, de onde só sai para ir às compras. Num país com informação controlada por um Estado autoritário, não há quarentena obrigatória, nem dados credíveis sobre o avanço da pandemia. Há muito que I. aprendeu a desconfiar do próprio Estado

Hoje, dia 1 de abril, de onde vos escrevo na capital bielorrussa de Minsk, dados oficiais do Governo dão conta da existência de 163 pessoas infetadas com covid-19 em todo o país e duas mortes associadas ao surto. São dados do Ministério da Saúde, mas muitas pessoas e meios de comunicação social independentes têm a certeza que o Estado lhes esconde os verdadeiros números da pandemia. Fazem-no porque querem evitar o pânico e proteger a economia.

Há quem comente que existem muitos diagnósticos de pneumonia, quando na verdade poderão ser casos de covid-19, mas não há qualquer hipótese de o confirmar. Uma vez que existe falta de confiança generalizada no Estado, as pessoas tendem a autoproteger-se - fazendo tudo o que é recomendado, pela OMS, por exemplo - mantêm a família informada, agem de forma responsável e minimizam os riscos.

As ruas estão praticamente vazias, muitas pessoas usam máscaras, mas talvez nem todos percebam o quão grave a situação possa vir a tornar-se num futuro próximo, e por esse motivo continuam a comportar-se como se isto não os venha a afetar, enquanto confiam no discurso oficial.

Eu e os meus amigos estamos furiosos pelo facto das autoridades ocultarem informação dos cidadãos - numa situação tão arriscada como esta - não lhes permitindo ter acesso a dados para tomar decisões esclarecidas.

Na Bielorrússia não há quarentena nem recomendações do Governo para que as pessoas evitem proximidade física ou fiquem em casa. Todas as instituições, fábricas e escolas estão a funcionar dentro da normalidade. Os pais podem, no entanto, deixar os seus filhos em casa, se assim o entenderem, mas as crianças vão para a escola quando os pais têm de ir trabalhar. E são muitos os que não podem ficar com os filhos em casa. Empresas privadas, ONG e meios de comunicação social independentes permitiram, na sua maioria, que os seus trabalhadores pudessem ficar em regime de teletrabalho, que é o meu caso - para nós, o isolamento é um comportamento responsável.

Na Bielorrússia temos bons médicos, um sistema nacional de saúde seguro e, no geral, os trabalhadores da saúde são uns heróis em situações como esta, mas claro que não sabemos se estas infraestruturas serão suficientes.

Neste momento, continuamos com o campeonato de futebol a decorrer e, uma vez que não foi decretada quarentena e que não existe qualquer declaração oficial a alertar para os riscos, cancelar o campeonato representará a confirmação de que a pandemia é uma ameaça real à saúde pública. É uma situação ridícula e muito triste.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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