Coronavírus

Covid-19. “Fiquem em casa ou esperem represálias”: traficantes das favelas do Rio de Janeiro dizem estar a fazer o que o governo não faz

Covid-19. “Fiquem em casa ou esperem represálias”: traficantes das favelas do Rio de Janeiro dizem estar a fazer o que o governo não faz
ANTONIO SCORZA/Getty

Em várias favelas do Rio de Janeiro, zonas onde a concentração de pessoas é muito elevada e quase ninguém dispõe de cuidados de saúde suficientes nem de fundos extra para a sua higiene, os traficantes de droga estão a avisar que a ordem é para ficar em casa depois das 20h00. Sem exceções

Os gangues de tráfico de droga de algumas das mais conhecidas favelas do Rio de Janeiro estão a pedir aos residentes que fiquem em casa depois das 8 da noite e que antes disso só saiam para o necessário. Melhor do que “pedir”, estão a exigir o recolher obrigatório durante a noite para evitar a propagação de casos de coronavírus.

Em várias comunidades, como na Rocinha, Cidade de Deus e Rio das Pedras, há cartazes espalhados onde se leem ordens para os habitantes não saírem de casa, como conta a revista VEJA, que esteve em reportagem em várias favelas este fim-de-semana.

“Pessoal, fica em casa. A coisa está ficando séria e tem gente que tá levando na brincadeira. Os corruptos de Brasília falaram para não sair mais (sic) tem um povinho se fazendo de surdo. Agora vocês vão ficar em casa por bem ou por mal. Toc (sic) de recolher todos os dias a partir das 20h00. Quem for pego na rua vai aprender como respeitar o próximo. Queremos o melhor para a população. Se o governo não tem capacidade de dar um jeito, o crime organizado resolve”, diz o aviso na Rocinha, distribuído em mensagens escritas para os telemóveis dos moradores.

O jornal “The Guardian” também visitou alguns destes locais onde os gangues estão, mesmo se sob ameaça de violência, a manter as pessoas em casa, coisa que o governo do Presidente Jair Bolsonaro já deixou de pedir. No Morro dos Prazeres, os gangues disseram à população para não se juntar em grupos de mais de dois. “Os criminosos já disseram a toda a gente que depois das 20h30 ninguém pode sair de casa ou vai haver represálias. Eu vou ficar em casa com a minha garrafa de gel desinfectante”, disse um dos residentes, sem dar o nome.

À VEJA, e também sob anonimato porque não convém criticar a autoridade de facto, um morador disse que sem poder sair de casa a vida ainda ia ficar mais complicada. “Estamos tentando levar uma vida normal, mas está muito difícil. Sem trabalho, não há dinheiro. E agora não podemos mais sair de casa à noite”, revelou um morador da Cidade de Deus à VEJA.

Em Santa Marta, perto do imponente Cristo Redentor, os traficantes têm distribuído sabão, desinfetante e outros materiais de limpeza. Na entrada da favela colocaram um sinal que diz: “Por favor lavem as mãos antes de entrarem na favela”. Mas logo surgiram vozes a contestar a utilidade desta medida. Um outro residente ouvido pelo diário britânico diz que “no topo do morro às vezes não chega água durante quinze dias e se as pessoas não conseguem sequer ter dinheiro para comer como é que podem preocupar-se com limpeza?”. Assim fica difícil fazer o que mandam as “autoridades locais”.

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