A crise provocada pela pandemia da covid-19 já começou a ter impacto no mercado de trabalho e os resultados são ainda imprevisíveis. Na TAP, cerca de 100 trabalhadores com contratos a prazo que estão agora a terminar não vão ter o vínculo renovado. Outras empresas podem em breve seguir o mesmo caminho. As associações sectoriais são cautelosas e não arriscam fazer projeções sobre potenciais despedimentos nas respetivas áreas.
O Expresso questionou dois dos maiores grupos hoteleiros nacionais sobre se têm planos para cortar pessoal como resposta à atual crise. O grupo Vila Galé respondeu que “tudo fará para evitar despedimentos”. “Neste momento, relativamente aos colaboradores dos hotéis, temos muitos a prestar assistência a filhos menores de 12 anos. Muitos também optaram por gozar férias, folgas e recuperações. E recorremos ao teletrabalho em todas as funções que o permitem”, acrescentou fonte oficial da empresa.
O Expresso questionou ainda o grupo Pestana sobre se está a despedir pessoal ou a preparar-se para o fazer. A resposta foi bem mais vaga: “Neste momento ainda não é possível fornecer qualquer informação”, indicou fonte oficial do grupo Pestana.
As próximas semanas vão permitir perceber melhor o impacto da pandemia no mercado de trabalho. Mas os despedimentos parecem inevitáveis. Na quarta-feira a própria Confederação do Comércio de Portugal, perante a inexistência de uma linha de crédito específica para o sector, incentivou os empresários da área a tomarem medidas rápidas de corte de custos, nomeadamente despedindo pessoal.
A APHORT - Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo diz o que o cenário geral de encerramento na restauração começa a alastrar à hotelaria, mas garante que neste momento “não há qualquer drama” e a mensagem geral que está a passar no sector é para “aguentar março sem despedimentos”, até pelas medidas fiscais já anunciadas.
Quanto a abril? “Vamos ver como as coisas evoluem”, diz Condé Pinto, presidente executivo da APHORT, salientando que a possibilidade de os restaurantes manterem aberto um serviço de "take away" pode ser uma porta de saída, apesar de a maioria não ter estruturas preparadas para esse tipo de serviço.
Mas há duas incógnitas em cima da mesa: não há um registo nacional que permita dizer quantos restaurantes tem o país para uma avaliação completa da situação e na hotelaria é habitual o recurso ao serviço de "outsourcing" em áreas como a limpeza. E o que vai acontecer a quem trabalha nestas empresas que ficam com contratos suspensos? “Não sei”, responde o dirigente.
A AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, por seu lado, mostrou-se esta quinta-feira satisfeita com o pacote de medidas anunciadas quarta-feira pelo Governo, em especial pela linha de crédito criada para o sector, mas sobre despedimentos nem uma palavra. “As linhas abertas, no valor de mais de mil milhões de euros, são testemunho da preocupação e atenção dada ao turismo”, comentou em comunicado o presidente da AHP, Raul Martins.
No segmento específico das empresas dedicadas ao turismo residencial os despedimentos estão para já fora de questão. “A questão de despedimentos a curto ou médio prazo não se coloca nas unidades de turismo residencial, dado que nos resorts vivem muitas pessoas como primeira habitação a quem temos de continuar a fornecer todo um conjunto de serviços”, diz Pedro Fontaínhas, diretor executivo da Associação Portuguesa de Resorts, (APR), que reúne 35 resorts em todo o país.
O responsável lembra que é um sector onde a mão de obra é escassa, sobretudo no Algarve, e que por isso não vê razões para despedimentos ou redução da força de trabalho. Existem unidades onde tudo se mantém inalterado, seja por renovação de contratos a prazo, passagem ao quadro e manutenção de períodos de experiência. Na vertente da operação comercial e marketing, acrescenta que são estruturas leves e que se mantêm perfeitamente adaptadas à situação.
Eventos com 30 mil trabalhadores em risco
Uma das atividades mais afetadas pela pandemia é a dos eventos, que nas últimas semanas vêm sendo adiados ou cancelados. A APECATE - Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos, com base nos dados recolhidos junto dos seus associados, aponta para mais 90% de eventos cancelados, envolvendo cerca de 30.000 trabalhadores directos, sem contar com os eventuais.
Nesta fase, a associação está a ouvir os empresários para ter acesso a dados que permitam uma análise do impacto que o sector está a sentir, sejam associados ou não. "Estamos numa situação excecional, quanto mais unidos estivermos mais força conseguiremos dar ao sector dos eventos, que é um dos primeiros a ser afetado”, partilha António Marques Vidal, presidente da APECATE.
A preservação dos empregos e manutenção das empresas abertas são as duas grandes linhas de ação da APECATE no panorama atual, mas para isso uma das prioridades é esclarecer algumas medidas já anunciadas, como o caso do recurso ao layoff e micro-crédito, por exemplo.
Sector automóvel não exclui despedimentos
As perspectivas para o sector automóvel, que emprega mais de 200 mil trabalhadores, não são risonhas. Sendo prematuro fazer projeções, a ACAP e a ANECRA, as duas maiores associações do sector, não excluem a prazo a possibilidade de despedimentos.
“É precipitado falar em despedimentos no sector automóvel, mas é um cenário que não podemos excluir, sobretudo em termos de força de vendas”, afirma Helder Pedro, secretário-geral da Associação de Comércio Automóvel (ACAP).
“Na última recessão, em 2009, o sector automóvel registou quebras de vendas da ordem dos 50%, e na altura houve redução das forças de vendas. Agora é pior. Parece um cenário da Segunda Guerra Mundial. As fábricas fecharam e em breve não deverá haver carros para entregar”, acrescentou.
“Muitos dos concessionários de norte a sul do país são PME que não têm muita capacidade para resistir a esta conjuntura durante quatro, cinco ou seis meses. Daí a associação ter pedido ao Governo uma linha de crédito especifica para o sector, mas que ainda não teve resposta”, acrescentou.
Alexandre Ferreira, presidente da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel (Anecra) tem uma posição semelhante. “É cedo para falar em despedimentos mas é previsível que venham a ocorrer porque muitas empresas têm poucas disponibilidades de tesouraria”, afirma.
“A alteração do regime de layoff adaptado à realidade sem constrangimentos nem exclusões pode minorar o efeito na empregabilidade do sector automóvel”, acrescentou.
Alexandre Ferreira salienta que “é necessário, tal como já acontece em Espanha, adotar soluções indexadas à realidade para o sector de reparação e peças”. “Apesar da menor circulação de automóveis, é inevitável que ocorram avarias e tem de haver resposta por parte dos reboques, das oficinas de assistência e reparação, e do fornecimento de peças”, disse ainda o mesmo responsável.
Construção: mais layoffs do que despedimentos
“Não está no horizonte das grandes empresas do sector proceder a despedimentos. Deverão aplicar o layoff nos contratos cujo ritmo de trabalhos está a abrandar ou a parar, seja por não se conseguir manter o distanciamento social necessário ou por interrupção da cadeia logística”, diz Ricardo Gomes, presidente da Associação de Empresas de Construção e Obras Publicas e Serviços (AECOPS).
“Nas empresas de menor dimensão ligadas à subcontratação admito que isso possa acontecer, embora não tenha conhecimento de casos concretos”, acrescentou.
“As empresas estão a trabalhar num cenário dois meses de disrupção da atividade. É preciso tomar já medidas para o 'day after', pois só com a expectativa de uma resposta rápida é que as empresas mantêm a empregabilidade”, afirmou. “É preciso que o programa de obras públicas previsto não pare e que os concursos públicos continuem a correr durante este período para assegurar a retoma da atividade”, acrescentou.