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Patrões criticam pacote do Governo e reclamam mais linhas de crédito e "layoffs" mais flexíveis

Patrões criticam pacote do Governo e reclamam mais linhas de crédito e "layoffs" mais flexíveis
Divulgacao

Medidas "insuficientes e pouco claras", diz a AEP. Linhas de crédito que excluem importantes setores da economia, alerta a CIP. Diversas associações empresariais receberam com críticas o plano do Governo, apelando a novas medidas e apoios

Patrões criticam pacote do Governo e reclamam mais linhas de crédito e "layoffs" mais flexíveis

Miguel Prado

Editor de Economia

As medidas do Governo de apoio à economia foram anunciadas de manhã cedo e poucas horas bastaram para perto de uma dezena de associações empresariais, dos mais diversos setores de atividade, protestarem pelo que dizem ser uma injusta exclusão dos seus negócios nas linhas de crédito de 3 mil milhões de euros que o Executivo anunciou.

A Confederação do Comércio queixa-se de um “profundo desprezo” do Governo por este sector. As várias associações do sector automóvel tomaram uma posição conjunta para pedir que “sejam tomadas medidas urgentes” num sector que representa 19% do Produto Interno Bruto (PIB), a indústria metalúrgica manifesta “estranheza” por ficar de fora das novas linhas de crédito.

Do sector automóvel ao imobiliário e construção, passando pelo comércio e pela metalurgia, são várias as associações patronais que reclamam agora linhas de crédito específicas para os seus sectores, mas não só. Exigem também uma flexibilização das regras do “layoff” para poderem sobreviver sem terem de avançar para despedimentos coletivos e encerramento definitivo da atividade.

A CIP – Confederação Empresarial de Portugal dá corpo à decepção de muitas indústrias face às medidas anunciadas pelo Governo. “A CIP critica o facto de a linha de crédito dedicada à indústria excluir um grande número de setores severamente afetados pelos efeitos da pandemia. Mas estamos convencidos que os mesmos virão a ser considerados em função das necessidades identificadas nos próximos dias. Não havendo forma de avaliar com rigor o impacto atual e potencial em cada setor, as medidas deveriam ser transversais a toda a indústria, sendo o seu montante ajustado em conformidade”, notou a CIP em comunicado.

Ainda assim, a entidade liderada por António Saraiva elogia a flexibilização do pagamento de impostos e contribuições para a segurança social. “Das decisões do Governo consta também a redução das contribuições para a segurança social a um terço, nos meses de março, abril e maio, medida que a CIP considera muito positiva”, frisa o comunicado da CIP.

A AEP – Associação Empresarial de Portugal, por seu turno, considera que as medidas anunciadas pelo Governo “pecam por serem insuficientes e pouco claras na sua aplicação”.

A AEP reconhece que “as linhas de crédito com garantia, as moratórias dos créditos e a flexibilização das obrigações fiscais e contributivas são medidas positivas”, mas nota que “a magnitude do conjunto destas medidas está ainda muito longe de alcançar as reais necessidades do nosso tecido empresarial, por forma a minimizar a profundidade da recessão da atividade económica, já sentida como certa”.

“O pacote de medidas agora anunciado, no valor de 9,2 mil milhões de euros, equivale a menos de 5% do PIB anual português, muito longe do anunciado pela nossa vizinha Espanha, que ultrapassa os 16% do PIB anual espanhol”, realça a AEP.

Entre os incentivos aos despedimentos e os pedidos de mais medidas

Mas ao entrar nas dores de cada área particular do tecido empresarial, o tom é diferente. A CCP – Confederação do Comércio de Portugal teve uma reação mais crispada, notando que “considera inaceitável o profundo desprezo a que foi votado o sector do comércio e de muitos serviços”. E aconselha os empresários do sector a “não adiarem decisões (como aconteceu, por exemplo, no período de ajustamento) e a adotarem uma política de redução rápida de custos, nomeadamente laborais, de forma a minimizar as dificuldades com que estão confrontados”. O presidente da CCP, João Vieira Lopes, admitiu ao Expresso que é a despedimentos que a CCP se refere. “No período de intervenção da Troika fizemos um esforço para manter os postos de trabalho, ficando fora da linha de crédito, temos de atuar de outra forma”, protesta.

No sector automóvel as associações que representam toda a cadeia de valor (AFIA, ACAP, ANECRA e ARAN) pedem um plano específico para o automóvel, com uma linha de crédito para este sector. Mas também defende uma alteração do regime de lay-off que permita o acesso imediato a empresas com quebras de faturação superiores a 40% nos últimos 30 dias, bem como a possibilidade de alterar o regime de férias para que elas sejam já marcadas.

“O pacote de ajuda anunciado hoje pelo Governo não tem nenhuma medida especifica para a construção e obras públicas. A linha de crédito Covid-19 não está aberta para as empresas do setor”, diz ao Expresso Ricardo Gomes, presidente da Associação de Empresas de Construção e Obras Publicas e Serviços (AECOPS). Este responsável admite que um mês de paralisação total da atividade custe mais de 1,7 mil milhões de euros. Sugere, além de apoio à tesouraria das construtoras, medidas cirúrgicas, como o adiamento temporário de pagamentos de impostos como o IVA ou o IMI.

No sector imobiliário, a avaliação é de que o plano do Governo é curto. A Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), defende que as medidas extraordinárias apresentadas esta quarta-feira pelo Governo "não são suficientes para dar resposta às necessidades das empresas do sector". O presidente da APEMIP, Luís Lima, reconhece que o momento é complexo e que o Governo estará a fazer o seu melhor para, diariamente, dar resposta a uma situação inédita para a qual ninguém está preparado, mas defende que também o imobiliário necessita de medidas específicas. E avança desde já uma sugestão: "uma linha de crédito particular para o sector".

Contactada pelo Expresso, a Associação Portuguesa de Resorts (APR) tem mais dúvidas que certezas em relação às medidas anunciadas pelo Governo. “Ainda não é possível avaliar com segurança o impacto da pandemia Covid-19 no setor do turismo residencial. Sabemos, isso sim, que o impacto será negativo e tanto mais importante quanto durar o período de alerta/emergência em Portugal e a nível global”, diz Pedro Fontaínhas, diretor-executivo da Associação Portuguesa de Resorts, que reúne 35 resorts em todo o país. Quanto às medidas fiscais e de estímulo anunciadas pelo Governo, “o sector aguarda informações mais concretas sobre a operacionalização das mesmas antes de se pronunciar em definitivo. Neste momento são mais as dúvidas”, diz Pedro Fontaínhas. Que também manifesta dúvidas sobre a real capacidade de as empresas do sector acederem à linha de crédito de 900 milhões de euros para o sector do alojamento.

Na metalurgia o sentimento é de “estranheza por ter sido criada uma linha de crédito de 1,3 mil milhões de euros que deixa de fora o sector mais exportador da indústria nacional e uma fileira que ainda está a trabalhar a quase 100%", diz ao Expresso Rafael Campos Pereira, vice-presidente da associação setorial AIMMAP.

A AIMMAP considera necessário alterar o que está definido "ao nível da legislação laboral, designadamente o que está definido para o que dizem ser o layoff". "Há pontos incompreensíveis, que suscitam diferentes interpretações, o que significa que os diplomas estão mal feitos", sustenta. Prioritário, para a a AIMMAP "é a questão das moratórias para o pagamento de compromissos perante a banca a nível de capital e de juros". "Estamos a viver uma situação dramática e as moratórias têm de ser reestruturadas sem prejuízo das empresas", conclui.

Têxteis aplaudem, mas…

A ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, aplaude o pacote de medidas anunciado esta manha de estimulo à economia face ao impacto do Covid-19, nas quais se inclui um pacote de 1,3 mil milhões direcionado ao sector têxtil, entre outros, mas insiste na importância do layoff. "Só a flexibilização do layoff pode garantir o emprego", diz o seu presidente, Mário Jorge Machado.

“As medidas avançadas pelo Governo de disponibilização de linhas de crédito às empresas, nomeadamente às do setor têxtil, são claramente positivas e muito bem-vindas”, afirma, sublinhando que "ajudar à liquidez das empresas é um sinal muito positivo da parte do Governo".

Mas o valor é suficiente? Mário Jorge Machado prefere não comentar. “Prefiro as declarações do presidente francês ou do ministro das finanças da Alemanha, segundo as quais haverá o dinheiro que for preciso para ajudar a economia”, diz.

“Ninguém vai perder o emprego por causa do coronavírus”, mas, no caso português isso só será possível “se o dinheiro dos nossos impostos servir para manter o emprego privado, tal como serve para manter o emprego público”, acrescenta. E explica: “A alternativa à flexibilização do layoff é muito pior: exercer enorme pressão sobre os encargos com o subsídio de desemprego”.

No pacote hoje anunciado pelo Governo, há uma linha de crédito de 1,3 mil milhões direcionada para têxtil, vestuário, calçado, industria extrativas e madeira, dos quais 400 milhões são especificamente para micro e pequenas empresas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mmcardoso@expresso.impresa.pt

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