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Como o conselho de Estado debateu o estado de emergência: "Agora seria um erro não fazer"

Como o conselho de Estado debateu o estado de emergência: "Agora seria um erro não fazer"
Miguel Figueiredo Lopes/Presidência

Marcelo condicionou o jogo ao propôr o estado de emergência e o Conselho de Estado não divergiu do Presidente. Houve dúvidas e uma certeza: com a expetativa criada, recuar era impossível. Costa chegou atrasado. Ferro foi a voz da esquerda. Cavaco pôs o foco na execução que cabe ao Governo e o Presidente do Tribunal Constitucional faltou mas mandou dizer que é favorável. Rio foi pragmático: se não há nada a ganhar, também não há nada a perder. E Marcelo, no final, agradeceu a "convergência".

Como o conselho de Estado debateu o estado de emergência: "Agora seria um erro não fazer"

Ângela Silva

Jornalista

Marcelo Rebelo de Sousa não levou o estado de emergência a votação. Não tinha que o fazer, já que esta não é uma decisão que dependa de parecer do Conselho de Estado e o próprio Presidente disse-o no início da reunião: não lhes pedia um parecer, queria ouvir-lhes opiniões. No final, agradeceu-lhes "a convergência". Mas há uma frase de Francisco Pinto Balsemão que foi partilhada por vários conselheiros: perante a expetativa criada, agora seria um erro não avançar.

Com a certeza de que o estado de emergência seria mesmo decretado - o primeiro-ministro já garantira que, dúvidas à parte, lhe daria parecer favorável -, os conselheiros de Estado mergulharam na videoconferência de quatro horas condicionados. E ninguém assumiu objeções relativamente à proposta lançada pelo Presidente da República.

António Costa chegou 10 minutos atrasado, o que permitiu prolongar o ensaio dos conselheiros, cada um em seu sítio e alguns com problemas técnicos - Jorge Sampaio e Miguel Albuquerque a dada altura perderam o som. Mas a intervenção do primeiro-ministro foi colaborante com o Presidente.

Costa não avançou nenhum dos argumentos que Governo e PS já tinha tornado públicos a divergir de Marcelo Rebelo de Sousa e focou-se em dar informação sobre o estado da epidemia. Essa, aliás, a par de fortes preocupações com o impacto económico da crise, percebeu-se ser a principal motivação dos conselheiros nesta conversa. O tema era mesmo a crise do Covid19.

No que toca ao estado de emergência, Ferro Rodrigues assumiu as 'dores' da esquerda e o discurso do Governo, chegando a dizer que talvez as medidas já acionadas fossem suficientes. Mas, curiosamente, foi um outro socialista, Vasco Cordeiro, Presidente do Governo Regional dos Açores, a fazer uma das mais acérrimas defesas do estado de emergência.

Miguel Albuquerque, Luís Marques Mendes, Francisco Pinto Balsemão, António Lobo Xavier e Rui Rio estiveram entre os que viram claras vantagens na declaração da emergência, com Xavier a alertar para a urgência de acautelar a economia e Rio a exibir o seu pragmatismo - se não há nada a ganhar, também não há nada a perder. E os ex-Presidentes da República também alinharam na "convergência".

Jorge Sampaio foi o que mais se aproximou de Marcelo - em tom simpático com o Presidente, defendeu que o momento é adequado para decretar esta medida, decisão que considerou legítima e sublinhou ser "democrática". Ramalho Eanes também foi favorável, colocando particular ênfase na questão económica e na necessidade de acautelar que não pára tudo. E Cavaco Silva foi o mais esfíngico: não colocou objeções ao estado de emergência mas pôs a tónica no Governo, a quem compete executá-lo. Relatos da reunião referem que Cavaco chegou a dizer que sendo o Governo quem tem mais informação, o Governo é que sabe. Ou seja, para Cavaco Silva o epicentro do poder não se muda para Belém, continuará em S. Bento.

Francisco Louçã alertou que tudo dependeria muito do teor do decreto que o Presidente enviaria ao Parlamento e colocou dúvidas sobre o impacto desta medida no que toca aos direitos dos trabalhadores ou direitos de manifestação, que considerou terem que ficar sempre acautelados. Mas Marcelo já tinha garantido que o foco da sua emergência é restringir a circulação de pessoas para evitar a propagação da epidemia e, na frente económica, dar ao Governo instrumentos para, caso seja necessário, desbloquear setores que estejam a ficar paralisados com impactos negativos para as populações.

Houve duas faltas neste Conselho de Estado: Eduardo Lourenço e Costa Andrade. Este último,que é o Presidente do Tribunal Constitucional, enviou no entanto uma mensagem e Marcelo divulgou que ele seria "favorável" ao estado de emergência. António Damásio, o cientista que vive nos Estados Unidos e teve que entrar na videoconferência às três da manhã locais, falou sobretudo da epidemia mas apoiou Marcelo.

No final, o Presidente anunciou que irá convocar um outro Conselho de Estado para daqui a dois, três meses, para discutir Economia. Se o Covid acalmar, Marcelo quer agarrar a ressaca económica.

Quanto a António Costa seguiu direto para o conselho de ministros e anunciou ao país o parecer favorável do Governo ao estado de emergência.

Está quase.

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