Ciência

Computação quântica: o próximo grande avanço tecnológico?

A computação quântica já confirmou poder superar a computação convencional, mas ainda lhe falta capacidade para resolver problemas concretos. Por quanto mais tempo teremos de esperar que os qubits transformem o mundo? O investigador Rui Maranhão conta como a Universidade do Porto se prepara para desvelar parte do que nos reserva a nova geração de computadores

Rui Maranhão*

O que em tempos pertencia ao domínio dos filmes de ficção científica tornou-se, sobretudo nestas primeiras décadas deste século, uma premissa do que o futuro não muito distante nos reserva. Prova disso são os avultados investimentos que os gigantes tecnológicos como o Google, Intel ou a IBM têm disponibilizado na luta pela “supremacia quântica”.

Ao contrário dos computadores chamados “clássicos”, que manipulam biliões de dados na forma de “bits” (binary digits – com valores lógicos exclusivamente de 0 ou 1), os computadores quânticos usam qubits, também designados “bits quânticos”. Estes representam valores probabilísticos entre zero e um e “conversam” entre si durante a computação usando regras da mecânica quântica. O enorme poder computacional da computação quântica advém da possibilidade de captar um número muito elevado de possíveis “configurações” ou “estados” em termos probabilísticos com um número muito mais reduzido de qubits relativamente ao mesmo número de “bits” de um computador “clássico” para o mesmo número de “estados”.

Apesar desta forma fundamentalmente diferente de computação ser bastante promissora para a resolução de problemas intratáveis para a computação clássica (em áreas diversas como as finanças, saúde e inteligência artificial), a computação quântica - atualmente - ainda não resolve nenhum problema de computação real. Um dos grandes desafios das tecnologias quânticas computacionais tem sido efetivamente a “sensibilidade” dos “qubits” ao ruído (“noise”). A inevitabilidade deste fenómeno nesta tecnologia levanta a questão da utilidade, para efeitos práticos, de computadores quânticos de média escala que consigam solucionar problemas do mundo real na presença de ruído. Este tem sido um duplo desafio da indústria de computação quântica: o desenvolvimento de algoritmos que sejam tolerantes a ruídos e optimizados na presença deste (apelidados de “NISQ-optimized”), bem como a construção de máquinas capazes de os executar na forma de “software” quântico. Ainda recentemente foi retirado um artigo publicado na Nature que demonstrava as capacidades de uma dada tecnologia para desenvolver um computador quântico capaz de escalar para problemas atuais. Se compararmos a evolução dos computadores quânticos com a dos computadores clássicos, constatamos que estamos ainda na era pré-transistor.

Embora os avanços já alcançados seja notáveis, se hoje tivéssemos hardware quântico com milhões de qubits altamente fiáveis, seria impossível desenvolver aplicações da mesma forma como fazemos para os computadores clássicos. Isto porque, em paralelo com os avanços no hardware quânticos, a comunidade científica precisa urgentemente de desenvolver as ferramentas necessárias para apoiar o desenvolvimento de aplicações quânticas com a mesma facilidade com que acontece no campo dos computadores clássicos.

Foi este o desafio que o Departamento de Engenharia Informática da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) lançou em Outubro de 2020, com uma iniciativa online (contingências e vantagens do surto pandémico) que tem trazido investigadores de topo mundial empenhados em discutir sobre esta temática e sobretudo a nivelar expetativas sobre o estado de arte no futuro próximo. As sessões têm batido recordes de inscrições de todo o mundo (os últimos registos apontam para mais de 600 pessoas) e estão disponíveis no Youtube: é a oportunidade de rever as participações de Frank Leyman, um reputado cientista e matemático alemão da Universidade de Estugarda (Alemanha), diretor e fundador do Instituto de Arquitectura de Sistemas de Aplicação (IAAS), que se debruçou sobre as tecnologias NISQ (Noisy Intermediate-Scale Quantum Technology) ou Ryan La Rose, da Universidade de Michigan que colabora com a Google, que explicou os avanços da linguagem que a Google tem vindo a desenvolver para codificar programas quânticos (Cirq). Dia 7 de abril arranca o 2º ciclo das QCTalks, numa temporada que promete convidados de renome e discussões verdadeiramente imperdíveis para todos os interessados no assunto.

Para além destas palestras, estamos a encetar na FEUP esforços significativos para participar ativamente na mudança de paradigma que a computação quântica irá seguramente trazer. Por um lado, está a ser criado um laboratório de investigação com o objetivo de explorar os temas relacionados com a computação quântica numa perspetiva de implementação e validação de programas quânticos. Contamos, para isso, com o conhecimento do Prof. Koen Bertels, um dos experts mundiais na área da computação quântica e que antes de se mudar para a Faculdade de Engenharia, teve um papel fundamental na criação do Departamento em Engenharia Quântica, com financiamento substancial da Intel, na Universidade Técnica de Delft (Países Baixos). Ao nível da formação/ensino, encontramo-nos atualmente a desenhar e a conduzir, a diferentes níveis de estudo, várias unidades curriculares onde estes temas vão ser abordados e discutidos. Esta é uma estratégia muito importante no sentido de dotar os nossos estudantes com ferramentas de valor para o futuro.

Rui Maranhão é professor catedrático na FEUP e investigador no INESC-ID

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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