Abusos

Abusos sexuais na Igreja: houve tentativas de suicídio entre as vítimas que pediram ajuda ao Grupo Vita

Abusos sexuais na Igreja: houve tentativas de suicídio entre as vítimas que pediram ajuda ao Grupo Vita
TIAGO MIRANDA

Bispo José Ornelas e a psicóloga Rute Agulhas lideraram a conferência de imprensa sobre os seis meses de atividade do Grupo Vita, que dá apoio a vítimas de abusos sexual na Igreja. Abusos ocorreram sobretudo no confessionário e também na sacristia. Houve também casos na casa de férias do padre, ou no carro do agressor. Dezasseis denúncias foram enviadas para a PGR

Abusos sexuais na Igreja: houve tentativas de suicídio entre as vítimas que pediram ajuda ao Grupo Vita

Hugo Franco

Jornalista

A psicóloga Rute Agulhas e o bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa José Ornelas lideraram a conferência de imprensa sobre os seis meses de atividade do Grupo Vita, que dá apoio às vítimas de abusos sexuais de padres. A assistir na sala estavam o ex-procurador-geral da República Souto Moura ou o atual diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária, Carlos Farinha.

Algumas das principais revelações desta tarde do Grupo Vita foi o envio de dezasseis queixas de abusos sexuais de padres à Procuradoria-Geral da República (PGR) e 45 às estruturas eclesiásticas. A diferença para estes números tem a ver com padres que já morreram ou já foram alvo de processos-crime no passado: nestes casos só as autoridades canónicas receberam a denúncia. E há até vítimas que dizem ter sido abusadas por mais de um padre.

D. José Ornelas diz que uma parte destes padres suspeitos foram suspensos preventivamente. “Já foram dados números concretos e houve um pouco de tudo: casos que já tinham sido tratados, outros que não tinham sido comunicados, outros porque se desconhecia quem fosse o eventual perpretador desses factos… Não houve responsabilidade do presidente da CEP para ter acesso a esses dados.”

Já Paula Margarido, coordenadora das comissões diocesanas, explicou que essa informação sobre o afastamento preventivo dos sacerdotes suspeitos é pedida às 21 comissões diocesanas e depois chega à CEP. “Esses dados já existem. Mas este não seria o espaço certo para o fazer." E frisa: “Não estamos aqui para esconder nada. Não é fácil para a Igreja saber que tem abusadores.”

Paralelamente, dezoito pessoas foram encaminhadas pelo Grupo Vita para terem apoio psicológico, duas para apoio psiquiátrico, quatro para apoio social e quatro pediram apoio financeiro à Igreja. Em cinco casos, as vítimas pediram apoio posterior do Grupo Vita depois do seu depoimento.

“São quatro esses os casos em concreto” sobre pedidos de indemnização à Igreja por causa dos abusos, embora as vítimas não tenham estipulado qualquer valor em concreto. “Houve entretanto mais pessoas que já expressaram essa vontade de receberem uma indemnização”, acrescentou a psicóloga no entanto sem adiantar números concretos. “Estes números podem mudar rapidamente.”

Sobre os valores de indemnização a dar às vítimas de abusos, D. José Ornelas disse que o assunto já foi hoje delineado: “Fala-se numa questão jurídica. É por isso que não temos falado de indemnização pois muitos destes casos não têm condições jurídicas pois alguns já prescreveram. Mas são um processo de ajuda e reparação às vítimas. Não há uma tabela de preços para isto. A reparação depende do dano feito e do tempo em que ele foi feito. É através deste Grupo Vita e das comissões diocesanas que podemos ir de encontro a essas pessoas. Um valor em concreto não tem sentido nestes casos.” E acrescenta: “Nunca vai faltar apoio adequado às vítimas.”

Voltando um pouco atrás, no total, o Grupo Vita diz ter recebido 278 chamadas telefónicas nos primeiros seis meses de existência. Nem todas elas sobre violência sexual no contexto da Igreja.

Rute Agulhas revelou que deste total de 278 chamadas, houve 64 vítimas de violência sexual que pediram ajuda e partilharam a sua vivência por telefone. E de um leigo que cometeu crimes sexuais no seio da Igreja e pediu acompanhamento. “Já estava sinalizado pelas autoridades.”

Nem todas as 64 pessoas quiseram passar à fase seguinte, a do atendimento presencial ou online. Destas, 42 pessoas foram atendidas e ouvidas pelos especialistas. Três delas eram adultas e não preenchiam os critérios de adultos vulneráveis.

Houve ainda 16 chamadas telefónicas relacionadas com violência doméstica ou violência sexual no contexto familiar, e sem relação com a Igreja. Nestes casos, as pessoas foram encaminhadas para outras estruturas, como a APAV, polícias ou autarquias.

Depois da filtragem, houve 39 pessoas que foram entrevistadas pelo Grupo Vita, revelou Rute Agulhas. “Todas elas vítimas.”

Comparando com os dados da Comissão Independente, revelados em fevereiro, nessa altura houve 512 testemunhos de vítimas. Outro dado a reter: 30% das denúncias recebidas pelo Grupo Vita já tinham sido sinalizadas à Comissão Independente. Ou seja, 70% são casos novos e que nunca tinham sido referidos à comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht.

“Persiste nas vítimas a ideia de que pouco ou nada acontece após a denúncia. Desta vez não foram feitas listas com nomes de padres denunciados, como na anterior comissão”, defendeu a psicóloga que revelou ainda terem sido feitas apenas três sinalizações anónimas. “Todas as outras pessoas assumiram o seu nome e deram os seus contactos.”

Caracterização das 39 vítimas de abuso

Sobre a caracterização das vítimas, 56% são do sexo masculino, com idades entre os 19 e 74 anos, com média de 54 anos. Residem sobretudo no centro e no norte. Sobre a primeira vez que foram abusadas as vítimas tinham 7 anos, e também entre os 10 e 11 anos. A maioria vivia com a família nuclear.

Os casos aconteceram nos anos 60 e também nos anos 80. A revelação dos crimes ocorreu 42 anos depois. Na maioria deles não foi apresentada qualquer queixa à Igreja ou autoridades civis.

Os abusos ocorreram “algumas vezes” e 21% disse ter ocorrido “uma vez”. Seis vítimas dizem ter ocorrido entre 4 a 6 anos. Apenas quatro vítimas disseram que o agressor foi um leigo da Igreja. A idade do agressor é entre os 21 e 61 anos.

A quase totalidade das vítimas disse ter conhecido o agressor no contexto da Igreja: sobretudo no confessionário e também na sacristia. Houve também casos na casa de férias do padre, ou no carro do agressor.

Os comportamentos mais frequentes foram toques ou carícias em zonas erógenas do corpo. As estratégias são sobretudo de “abuso de autoridade” ou o engano ou a surpresa.

As vítimas dizem não ter revelado os abusos por vergonha, medo ou culpa.

Houve impactos cognitivos e a nível comportamental, como evitar ir ou passar perto da Igreja ou de algum sacerdote. Houve também tentativas de suicídio. As vítimas ficam com “dificuldade em confiar nos outros”.

As vítimas têm escolarização do ensino secundário e superior.

O Grupo Vita considera ser “essencial” repensar nos prazos de prescrição deste tipo de crimes para que as vítimas possam ter mais tempo para poder apresentar queixa às autoridades.

“Não estamos a brincar. Estamos a lidar com vidas”

“Não estamos a brincar. Estamos a lidar com vidas”, disse D. José Ornelas no final da conferência. “Não podemos pactuar com situações destas.” E acrescentou: “Casos destes na Igreja são duplamente gravosos.”

O trabalho da Comissão Independente “foi o começo” e foi um trabalho que “mexeu” com as estruturas da Igreja, afiança o bispo de Leiria-Fátima. “Que o sentimento de repulsa não se atenue tão depressa. Queremos inverter esta cultura e ter uma cultura de transparência. Criar uma cultura nova na Igreja”. E continuou: “Queremos que o Grupo Vita seja a mão da Igreja nestes casos.”

Para as vítimas é “mais fácil” contactar com este Grupo Vita do que com os bispos, lembra ainda o sacerdote. “Tomámos bem conta dos recados da Comissão Independente. É para nós é particularmente importante não permitir isto.” E garante que o cenário “está a melhorar” no seio da Igreja, não havendo “retorno”. “Se estamos aqui a analisar o bode expiatório mais fraco perdemo-nos no caminho.”

Sobre a reunião prometida para a janeiro com a associação das vítimas de abusos, anunciada esta terça-feira, o bispo diz que “continua a receber pessoas”. “Terei todo o gosto e estamos à espera de uma resposta para articular uma data.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: HFranco@expresso.impresa.pt

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