Entre apelos à paz, ao fim da guerra e de atenção aos mais vulneráveis, Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, não escapou às perguntas sobre os casos de abuso sexual de menores na igreja portuguesa. Aquele que é número dois da Santa Sé, próximo do papa Francisco, assegurou que em Roma se acompanhou com atenção os resultados apresentados pela comissão independente, vincando que a forma como a situação foi gerida em Portugal é uma responsabilidade local que segue em linha com a resposta internacional dada pelo Vaticano.
“É um caminho que tem de ser marcado pela verdade e transparência. A Santa Sé recebeu essa informação, sabe o que aconteceu, mas as decisões são da igreja local”, disse Parolin especificamente sobre o contexto português, recusando fazer qualquer comentário sobre situações concretas. “Entrar em casos específicos não o posso fazer porque não tenho os elementos necessários para comentar. No entanto, sou um testemunho quotidiano do trabalho do papa para haver maior transparência no tratamento destes casos”, disse em conferência de imprensa esta sexta-feira no Santuário de Fátima, onde preside a Peregrinação Internacional Aniversária.
“Estou consciente que há casos no passado da igreja que não será possível resolver, há casos no futuro que também não será possível resolver”, continuou, sublinhando que a instituição tem mecanismos para acompanhar as vítimas e precisa de encontrar formar para prevenir novos abusos. “Esta é a palavra principal: prevenção.”
D. José Ornelas, bispo Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, reforçou que o Vaticano tem apoiado a igreja portuguesa ao longo de todo o processo quer na “atenção às vítimas” quer no “tratamento e investigação dos arquivos”. “O que está agora em desenvolvimento é uma estratégia de proteção, prevenção e tratamento de novos casos que posso vir a aparecer”, disse.
Num ano em que o número de peregrinos em Fátima se volta a aproximar das enchentes pré-pandemia, Ornelas assegura que “há de tudo” no que diz respeito às reações dos católicos aos resultados da investigação. “Há gente que diz que não quer ter que ver mais com igreja”, mas também quem “se aproxima e diz que, como cristão, se sente orgulhoso pelo que a igreja fez”. Há quem tema que a vinda a público dos casos seja o primeiro passo para abrir a “caixa de Pandora” e que ser a própria igreja a fazê-lo signifique “dar trunfos aos inimigo”.
“Evidentemente, não é fácil para ninguém, este período de conhecer a realidade é doloroso - e eu estava na primeira linha quando foi publicado o relatório. Mas também não foi totalmente surpresa. E é por isso que veio que a nossa vontade de ter uma ideia mais fundamentada da realidade das coisas. A igreja não aparece como um antro de abusadores. O termo da própria comissão usa é ‘residual’, é uma percentagem reduzida de casos de abuso dentro da igreja”, referiu José Ornelas.
O palco da polémica e um investimento para o futuro
Confrontado com polémica dos custos da construção de palcos e outras infraestruturas para a realização da Jornada Mundial da Juventude, Pietro Parolin notou que esse tipo de impacto mediático é habitual na organização e preparação de grandes eventos. “Estas notícias acontecem, são habituais. Não nos alegram, causam tristeza e sofrimento”, disse, assegurando que o Vaticano foi informado do caso do altar-palco do Parque Tejo.
“Naturalmente, quando acontecem estes grandes eventos há custos associados, mas também são investimentos em prol das pessoas que vão visitar o país. Não quero criar polémicas. Muitas obras não são passageiras, são obras que ficam para a comunidade. O parque Tejo estava inutilizado, depois vai transformar-se num jardim que pode ser usado pela comunidade”, insistiu, recordando que neste caso até “houve um diálogo com as autoridades civis” que resultou numa redução dos custos previstos.
Na mesma conferência de imprensa, o secretário de Estado disse ainda que, apesar de estar prevista para este sábado a visita de Volodymyr Zelensky a Itália, não está confirmado um encontro entre o presidente ucraniano e o papa Francisco. “Até hoje de manhã [sexta-feira] não havia nada, pode, entretanto, ter havido algum desenvolvimento, mas nada confirmado.”
Também sobre a visita de Francisco a Portugal, marcada para agosto no âmbito da Jornada Mundial da Juventude e que passará também pelo Santuário de Fátima, nem Parolin nem Ornelas desvendaram detalhes. A viagem ainda está a ser estudada. “É uma questão que não pode demorar muito porque o tempo urge”, referiu o bispo Leiria-Fátima.
Esta sexta-feira e sábado assinala-se em Fátima a primeira aparição da Nossa Senhora aos pastorinhos.
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