Sociedade

“Não vemos nenhum jovem com trissomia 21 a trabalhar na TV, num museu, numa farmácia”: EPIS cria manual de inclusão no Mercado de Trabalho

“Não vemos nenhum jovem com trissomia 21 a trabalhar na TV, num museu, numa farmácia”: EPIS cria manual de inclusão no Mercado de Trabalho
Nuno Fox

Com trissomia 21, Diogo Melo tem o sonho de encontrar um emprego, mas reconhece que a discriminação o faz esbarrar em portas fechadas. Não é o único, e foi a pensar nestes casos que a Associação EPIS criou um manual de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Diogo Melo tem 30 anos e um simples sonho: conseguir um emprego das nove às cinco. A trissomia 21 nunca o impediu de procurar a sua independência, mas a dificuldade em encontrar emprego e a discriminação de que se sente alvo continuam a forçá-lo a depender dos pais.

Diogo concluiu o ensino secundário com currículo adaptado e, desde novembro de 2023, trabalha no Museu Calouste Gulbenkian como assistente de sala em regime part-time. Começou por tentar encontrar trabalho na sua área de formação – o teatro – mas não conseguiu, conta a mãe, Teresa Melo, que tem acompanhado de perto a caminhada de Diogo e os problemas que têm surgido.

Antes de iniciar funções na Gulbenkian passou por um processo de adaptação. Esta integração contou com o apoio da família e da Associação EPIS – Empresários pela Inclusão Social, que o acompanhou desde a preparação da entrevista até ao acolhimento no local de trabalho. O manual “Vencer os Desafios da Inserção Profissional de Jovens com Deficiência – Boas Práticas no Terreno”, publicado pela mesma associação, destaca a colaboração entre as empresas e organizações na área da deficiência como algo essencial para o sucesso profissional de pessoas com deficiência. As associações “conhecem bem as pessoas que acompanham, facilitando o ‘match’ e a integração”, referem as autoras Sofia de Sousa e Silva e Susana Dias Lavajo.

Diogo Melo sente-se bem no trabalho da Gulbenkian, mas confessa que gostaria de ter um emprego a tempo inteiro que lhe desse a oportunidade de sair de casa e viver sozinho, ou com a namorada. Reconhece que as dificuldades encontradas se devem à sua condição: “É por causa do tema que eu não gosto muito de falar, que é sobre o que eu tenho, sobre a deficiência. É no mundo. É discriminação”.

A legislação portuguesa define que “as médias empresas, com número igual ou superior a 75 trabalhadores, devem admitir trabalhadores com deficiência em número não inferior a 1% do total de trabalhadores”. Já no caso das grandes empresas, com mais de 250 trabalhadores, a percentagem referida é 2%. Mas ainda há vários entraves para a integração do trabalhador com deficiência: “muitas das empresas só o fazem porque têm de cumprir as quotas a que são obrigadas”, acredita Miguel Azevedo, coordenador do Movimento Cidadão Diferente.

Teresa Melo sentiu isso enquanto ajudava o filho. Conta que Diogo se candidatou para uma vaga na Junta de Freguesia de Santo António dos Cavaleiros, em Loures, e embora o concurso anunciasse estar aberto a pessoas com deficiência, a prova de conhecimento não era adaptada às suas necessidades. “Diziam que era inclusivo, mas na prática a prova impedia o Diogo de avançar”, relata Teresa: “De que vale haver quotas, se depois as provas não são adaptadas? Como é que as pessoas podem ter as mesmas oportunidades que os outros?”

Esta adaptação é essencial para que os jovens com deficiência não sejam excluídos na fase de recrutamento. É necessário que também os processos sejam inclusivos, tanto a “nível de receção e encaminhamento de candidatos por parte das organizações da área da deficiência, como ao nível da adaptação das funções aos candidatos rececionados”, tal como escrevem as autoras no manual.

Estágios que não funcionam

O IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional prevê um conjunto de medidas de apoio à contratação de pessoas com deficiência, como um estágio de inserção. Mas na opinião de familiares e organizações, “na prática estes estágios não funcionam”, pelo menos na maioria das vezes. Os estágios acabam por ser só nas áreas de restauração, limpeza e jardinagem, conta a mãe do Diogo: “Porque é que estas pessoas, só porque têm uma deficiência, têm de ir obrigatoriamente para a limpeza ou para a restauração?”, questiona-se.

Diogo gostaria de trabalhar como produtor de som e bastidores numa companhia de teatro, mas quando foi procurar uma escola onde pudesse dedicar-se a esta área, disseram-lhe para procurar um supermercado.

Teresa Melo insiste: “O pensamento e a forma como agem as entidades… parece que as pessoas com deficiência estão formatadas para, obrigatoriamente, irem para a restauração, para a jardinagem e para a limpeza. Eles não podem ter outro tipo de oportunidade de emprego. E eu pergunto: porquê? Não vemos nenhum jovem com trissomia 21 no teatro, na televisão, num museu, numa farmácia”.

“Em 2020, em Portugal, a Taxa de Emprego das pessoas com deficiência era de 58,7% face a 76,9% de pessoas sem deficiência, apresentando um desfasamento de 18,2 pontos percentuais". No entanto, segundo os valores apresentados no manual, no sector público, “dados de 2022 dão-nos conta que do total de trabalhadores das administrações públicas portuguesas apenas 3% tinha algum tipo de deficiência”.

Diz o manual da EPIS que para combater esta exclusão é essencial que organizações da área da deficiência prepararem a empregabilidade inclusiva, desde o momento de recrutamento até ao momento de acolhimento no local de trabalho. As autoras apresentam também outras alternativas, como plataformas online para jovens e pessoas com deficiência à procura de trabalho.

Diogo Melo encontrou um trabalho, mas sonha com mais, assim com muitos jovens com deficiência. Quer mais do que um trabalho temporário, quer ser independente dos seus pais. “Eu gostava de mudar o mundo. Para o mundo aprender o que é que eu tenho e para acabar de vez com isso. Eu queria que as pessoas tivessem mais simpatia”.

“Eu vejo-me diferente", diz o jovem de 30 anos, para depois concluir: mas "acho que, quando as pessoas estão a ver-me a mim, só me veem por fora, não por dentro”.

Texto escrito por Margarida Nogueira e editado por Mafalda Ganhão

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