Sociedade

Elevador da Glória: investigação aponta que “cabo cedeu no ponto de fixação” e sistema de redundância não conseguiu parar o descarrilamento

Elevador da Glória
Elevador da Glória
Nuno Fox

O cabo que unia as duas cabines cedeu. Apesar do acionamento dos freios e do sistema de emergência, a redundância não conseguiu impedir o acidente. A inspeção realizada no dia do acidente não conseguiu detetar a falha, localizada num ponto invisível sem desmontagem

Lisboa continua a tentar compreender o que provocou, na tarde de quarta-feira, o descarrilamento de elevador da Glória, tragédia que matou 16 pessoas. Uma nota informativa do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) destaca agora os primeiros resultados da investigação, ainda sem conclusões definitivas.

Segundo o documento, “do estudo feito aos destroços no local, foi de imediato constatado que o cabo que unia as duas cabinas cedeu no seu ponto de fixação dentro do trambolho superior [carrinho, fixado na base da carruagem, onde se encaixam os cabos subterrâneos] da cabina n.º 1”. Foi essa falha que desencadeou o acidente: a cabina desceu descontrolada cerca de 170 metros, “em menos de 50 segundos”, acabando por embater lateralmente em edifícios e postes de iluminação.

O relatório destaca que, embora o guarda-freio tenha atuado rapidamente, acionando o freio pneumático e o manual, “os freios não têm a capacidade suficiente para imobilizar as cabinas em movimento sem estas terem as suas massas em vazio mutuamente equilibradas através do cabo de ligação”. Ou seja, a redundância do sistema de segurança revelou-se ineficaz perante a falha do cabo.

O GPIAAF esclarece ainda que a inspeção realizada no próprio dia do acidente não podia ter detetado a anomalia: “A zona do trambolho onde o cabo se soltou não é visível sem desmontagem, não havendo evidência de defeito nos sistemas de freio ou em componentes acessíveis à inspeção visual”.

O relatório acrescenta que “a manutenção encontrava-se em dia” e que o sistema de emergência, concebido para cortar a energia e acionar automaticamente os travões, “funcionou conforme projetado”. Contudo, será necessário confirmar se o freio pneumático automático atuou de forma eficaz.

A investigação prossegue com recolha de provas, peritagens técnicas e análise documental, em articulação com o Ministério Público. Um relatório preliminar deverá ser publicado no prazo de 45 dias e o relatório final no prazo de um ano, podendo entretanto ser emitidos alertas de segurança caso sejam detetados riscos não controlados.

A nota lembra que o Elevador da Glória, em funcionamento desde 1885, já sofreu várias modernizações, mas mantém “um sistema de tração por cabo cuja filosofia de segurança depende do equilíbrio das massas entre as duas cabinas”. Esse equilíbrio, sublinha o GPIAAF, “é condição essencial para que os freios atuem com eficácia”.

No documento é ainda referido que a cabina circulava “a uma velocidade estimada em 16 km/h no momento em que o cabo cedeu”, acima do habitual em descidas normais, mas compatível com a aceleração provocada pela perda de ligação. A análise preliminar indica que “o guarda-freio atuou de imediato”, o que permitiu reduzir ligeiramente a velocidade antes do impacto.

Sobre o trabalho da tripulação, os peritos assinalam que “não há evidência de erro humano” e que as respostas do guarda-freio “estão em conformidade com os procedimentos previstos”. A investigação vai ainda analisar a formação recebida e os tempos de reação registados nos sistemas de monitorização.

Embora sem recomendações formais nesta fase, o GPIAAF considera “essencial avaliar a periodicidade e profundidade das inspeções estruturais ao sistema de trambolhos”, podendo ser necessário rever normas técnicas que atualmente “não impõem desmontagens regulares para verificação da fixação do cabo”.

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