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Maioria dos psiquiatras e psicólogos é favorável à utilização de cetamina, mas receia abuso desta substância psicadélica pelos pacientes

Maioria dos psiquiatras e psicólogos é favorável à utilização de cetamina, mas receia abuso desta substância psicadélica pelos pacientes
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Apenas cerca de um terço dos profissionais de saúde mental em Portugal afirma ter conhecimentos adequados sobre o potencial da cetamina na saúde mental e sobre os riscos e efeitos adversos desta substância, revela estudo realizado pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, em parceria com a SPACE e a Universidade Johns Hopkins, nos EUA

Maioria dos psiquiatras e psicólogos é favorável à utilização de cetamina, mas receia abuso desta substância psicadélica pelos pacientes

Helena Bento

Jornalista

A maioria dos psiquiatras e psicólogos portugueses concorda com o uso clínico da cetamina no tratamento da depressão. Ainda assim, cerca de metade manifesta receios quanto ao risco de utilização indevida ou de abuso por parte dos pacientes.

As conclusões são do artigo “Atitudes e Perceções dos Psiquiatras e Psicólogos Portugueses sobre o Uso Clínico de Cetamina”, realizado pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, em parceria com a SPACE (Associação Portuguesa para a Aplicação Clínica de Enteógenos), e a Universidade Johns Hopkins, nos EUA. O documento, a que o Expresso teve acesso, será publicado na edição de maio da revista Acta Médica Portuguesa, da Ordem dos Médicos.

A cetamina, uma substância com propriedades psicadélicas aprovada originalmente como anestésico, tem vindo a ser estudada e aplicada internacionalmente como uma “intervenção rápida e eficaz” em casos graves de depressão, sobretudo quando os tratamentos convencionais falham, refere o estudo. Segundo os autores do estudo - sendo Pedro Mota, psiquiatra e investigador, o autor principal - vários ensaios clínicos controlados validaram a sua eficácia, “levando mesmo à sua integração nas principais diretrizes internacionais como opção de segunda linha de tratamento”.

Portugal foi pioneiro na União Europeia na introdução da cetamina no tratamento de doentes com depressão resistente, com o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, a iniciar os primeiros protocolos. Desde então, o uso da substância estendeu-se a outras unidades do SNS e também a várias clínicas privadas.

Apenas um terço afirma conhecer os riscos

Apesar da sua aplicação estar a crescer, o estudo revela que muitos profissionais de saúde mental mantêm reservas. Para além dos receios quanto ao possível abuso ou uso indevido pelos pacientes, cerca de 50% dos inquiridos manifestam preocupação com a administração de cetamina a pessoas com contraindicações clínicas.

O uso de cetamina, à semelhança de outros psicadélicos, não é recomendado em pessoas com sintomas psicóticos, esquizofrenia, perturbação bipolar ou antecedentes familiares de psicose, devido à escassez de dados sobre a segurança neste grupo. Há ainda outras contraindicações, como doenças cardiovasculares descompensadas ou risco iminente de suicídio.

Entre os 156 profissionais que responderam ao inquérito, apenas cerca de um terço afirma ter “conhecimentos adequados sobre os riscos e efeitos adversos da cetamina”, e também apenas cerca de um terço considera-se “bem informado” sobre o seu potencial terapêutico. Por outro lado, 70% expressam preocupação quanto à “eventual falta de profissionais com formação especializada”.

Ainda assim, cerca de 60% dizem estar abertos a integrar a cetamina na sua prática clínica, e quase 80% têm interesse em receber formação específica nesta área. Os resultados do estudo indicam que essa formação deverá ser, preferencialmente, promovida por centros de investigação: mais de 75% dos profissionais afirmam confiar sobretudo em centros de investigação, organizações profissionais e colegas com mais experiência para esse efeito. Em contraste, há uma “confiança menor” em instituições privadas e empresas farmacêuticas.

Os autores do estudo sublinham que, “apesar da elevada abertura dos profissionais à utilização de cetamina, persistem lacunas significativas ao nível da formação e do conhecimento técnico, que devem ser colmatadas com programas especializados e ajustados ao perfil dos profissionais”.

Os dados mostram ainda que os médicos psiquiatras revelam maior conhecimento e são mais favoráveis à utilização clínica da substância do que os psicólogos. Os profissionais mais jovens (com 35 anos ou menos) demonstram maior interesse em formação e maior abertura à utilização da cetamina, ao contrário do grupo etário entre os 36 e os 49 anos, que apresenta “menor perceção de conhecimento” e mais preocupações com efeitos adversos.

Os investigadores defendem a necessidade de uma “regulamentação clara e protocolos bem definidos” para a terapêutica com psicadélicos, assim como a promoção de práticas clínicas “éticas e seguras”.

“Em Portugal, apesar de já existirem algumas iniciativas, como cursos introdutórios e manuais técnicos publicados por sociedades científicas, ainda não existe uma estrutura de formação amplamente acessível e reconhecida”, sublinham, apelando, por isso, à realização de mais investigação sobre os efeitos a longo prazo da cetamina, "especialmente em contextos clínicos reais e com protocolos padronizados, de forma a garantir a eficácia, a segurança e a confiança dos profissionais e dos pacientes."

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