Foi ainda em outubro que a Federação Nacional de Sindicatos Independentes da Administração Pública e Entidades com Fins Públicos (FESINAP) decretou uma greve para o dia 4 de Novembro. No pré-aviso entregue eram determinados de forma indicativa os serviços mínimos para o setor público: era preciso assegurar que havia trabalhadores nos seus postos em número “igual àquele que garante o funcionamento aos domingos no turno da noite, durante a época normal de férias”.
Mas o INEM, tal como outras entidades públicas como hospitais por exemplo, poderia ter ido mais longe e pedir um reforço dos serviços mínimos, até porque tinha a decorrer, em simultâneo, uma greve às horas extraordinárias convocada pelo Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH). Segundo avança este sábado o jornal Público, a direção do INEM decidiu nada fazer.
Numa conjugação de duas greves no mesmo dia, o que aconteceu é que, segundo dados do presidente do STEPH, Rui Lázaro, nesse dia 4 de novembro havia menos 10 pessoas que o habitual a atender chamadas do 112, o que resultou, ainda segundo o Público, em 2510 chamadas atendidas, o valor mais baixo nos últimos 10 anos.
Portanto não só o Ministério da Saúde ignorou o aviso de greve do STEPH, que enviou emails para todo o gabinete de Ana Paula Martins dando 10 dias à tutela para iniciar uma negociação, como ainda a direção do INEM não usou de todos os meios ao seu dispor para minimizar os impactos da paralisação.
A secretária de Estado da Gestão da Saúde, que ao mesmo tempo confirmou ter recebido os avisos da greve por parte do sindicato - confirmando a notícia do Expresso - disse ter sido surpreendida com o impacto da paralisação. "Não estávamos à espera do impacto, que resulta efetivamente da conjugação de duas greves na segunda-feira, isso não estávamos à espera do impacto”, disse Cristina Vaz Tomé.
Também ontem à tarde, numa entrevista à SIC Notícias, o novo presidente do INEM, Sérgio Janeiro, assumiu que não houve uma previsão por parte do Instituto de Emergência Médica: "Não esperávamos um impacto tão severo", disse.
Janeiro disse que recebeu o pré-aviso de greve do STEPH a 10 de outubro e que desde esse dia "foram tomadas medidas no sentido de alterar as escalas de modo a torná-las menos permeáveis à greve e ao trabalho suplementar, priorizando o atendimento no CODU e dos meios mais prioritários do INEM"
"Na esmagadora maioria dos dias conseguimos que não houvesse um impacto da greve que podia ser expectável", afirmou o presidente do INEM. O problema, disse, foi a segunda-feira. "Não prevíamos que na segunda-feira em particular a junção das duas greves tivesse um impacto tão significativo", salientou, para explicar que "existem serviços mínimos previstos no acordo coletivo de trabalho e que garantem que a escala do CODU tem de estar preenchida a 80% do original". Janeiro adiantou que esses serviços mínimos "sempre foram cumpridos no antecedente [sic]" e que, por isso, o impacto das duas greves em simultâneo não foi acautelado porque não foi previsto.
A solução foi reagir ao problema que se agravou. "Houve um atraso significativo [no atendimento das chamadas] durante a manhã e início da tarde de segunda-feira. Começamos a telefonar e a redirecionar todos os esforços e a mobilizar os técnicos, tendo-se conseguido ao fim do dia controlar o volume de chamadas em espera", explicou.
A greve do STEPH às horas extraordinárias foi desconvocada após uma reunião de urgência convocada pela ministra da saúde na quinta-feira onde a assinatura de um plano negocial bastou para que se pusesse fim à paralisação.
Mortes investigadas pelo MP e pela IGAS
As mortes alegadamente relacionadas com a falta de socorro por parte do INEM já motivaram a abertura de cinco inquéritos pelo Ministério Público, um dos quais arquivado por ausência de indícios de crime. Segundo informação prestada à Lusa pela Procuradoria-Geral da República (PGR), foram abertos inquéritos às mortes ocorridas alegadamente na sequência da falta de assistência por parte do INEM em Bragança, Cacela Velha, Vendas Novas, Almada e Ansião.
A Inspeção-Geral da Saúde também abriu inquéritos às mortes que podem estar relacionadas com a greve do INEM. Há pelo menos sete casos fatais conhecidos em que os atrasos no atendimento foram evidentes.
O primeiro caso aconteceu em Molelos, Tondela, com uma idosa de 94 anos em paragem cardiorrespiratória. A neta diz ter estado 45 minutos à espera do atendimento telefónico. A mulher acabaria por morrer no Hospital de Lamego. A segunda denúncia é relativa a Bragança. Um homem morreu no local após mais de uma hora de espera até a mulher ser atendida pelo INEM.
Em Almada, uma idosa terá sofrido um AVC quando era ouvida em tribunal. Após uma hora e meia à espera de socorro, foi levada para o Garcia de Orta por uma patrulha da PSP, mas acabou por não resistir já no hospital. Um quarto caso é o de uma mulher com 86 anos que sofreu uma paragem cardiorrespiratória no lar em Castelo de Vide. Os vários pedidos de ajuda ao INEM não tiveram resposta e foram os bombeiros locais que conseguiram ativar a Viatura Médica de Emergência e Reanimação do Hospital de Portalegre, onde a mulher chegou perto de uma hora e meia depois. Ainda no Alentejo, em Vendas Novas, um homem de 73 anos sentiu-se mal em casa e morreu. Após 40 minutos à espera, foram os Bombeiros de Vendas Novas que acionaram o INEM.
Também por doença súbita cardíaca, numa rua de Vila Nova de Cacela, Algarve, um homem de 77 anos ficou sem socorro. A população ligou diretamente para os bombeiros de Vila Real de Santo António, que chegados ao local e perante a gravidade da situação pediram apoio diferenciado ao INEM através de uma linha especial de contacto. A resposta chegou e a vítima foi transportada para a urgência básica local mas não sobreviveu. O sétimo caso conhecido é de Ansião. Um homem de 95 anos esperou meia hora pela resposta do INEM. Os bombeiros chegaram primeiro e o óbito foi declarado no local.
Com Lusa e Vera Lúcia Arreigoso