Serviço de Saúde da Madeira: ataque informático deixa utentes sem consultas e sem exames
Ricardo Pereira
Consultas adiadas, análises que não se realizaram e racionamento na entrega de medicamentos na farmácia hospitalar. Um ataque de ransomware bloqueou o sistema informático do Serviço Regional de Saúde da Madeira. Não há acesso aos registos clínicos digitais, aos stocks, às marcações de consultas e não é possível operar alguns equipamentos de imagiologia onde se fazem TAC e ressonâncias. Ainda assim tudo o que é urgente e prioritário está garantido
Agostinho passa pela cancela onde entram as ambulâncias e vai para casa mais aliviado. Maria da Paz, a mulher, leva a injeção que tem de tomar num saco. “A menina da farmácia explicou que foi por termos ligado na sexta-feira, já estava pronta no frigorífico. O pior são aquelas pessoas que nem sabem o nome dos medicamentos que tomam”. A situação na farmácia do Hospital Central do Funchal esteve complicada na manhã desta segunda-feira, o primeiro dia útil após o ataque à rede informática dos hospitais e centros de saúde da Madeira.
O ataque de ransomware deixou a farmácia – onde se levantam os medicamentos para tratar insuficiência renal, doentes com SIDA e cancro – sem acesso digital e imediato aos stocks e à lista de doentes e por isso foi necessário fazer uma espécie racionamento para evitar rupturas e garantir que todos os que precisam têm o tratamento. Depois do susto, uma senhora, doente oncológica, mostra os cinco comprimidos que lhe deram. “Primeiro disseram que não tinham, mas depois chamaram a dizer para ir buscar estes cinco, dá para cinco dias. A seguir tenho de ligar para vir buscar ou alguém ir levar a casa”.
A manhã não está fácil. Pela entrada principal do Hospital Central do Funchal passam pessoas que tinham consultas na terapia da dor, na fisioterapia, exames ao coração ou análises de rotina devido a problemas oncológicos. A resposta que levam é que o sistema foi abaixo, que houve um ataque e para telefonar a saber quando voltam a ter o exame ou a consulta. A administração garante que está fazer tudo o que é possível para manter o atendimento aos utentes. No primeiro balanço, Filipa Freitas, vice-presidente do conselho de administração do SESARAM, garante que nenhum doente oncológico ficou sem tratamento e que três salas do bloco operatório estão a funcionar em pleno.
“Todas as cirurgias urgentes e algumas não urgentes estão a ser realizadas”, explica, apesar de ninguém saber quando é que o sistema informático irá voltar a funcionar em pleno. Nuno Perry, responsável pela cibersegurança do Governo Regional da Madeira, admite que o assunto não se resolve num dia. O sistema está sequestrado por um software malicioso, mas até ao momento não houve um pedido de resgate. O responsável pela segurança informática da administração pública madeirense admite, no entanto, que alguns dos dados guardados nos processos clínicos possam ter sido expostos.
Dados clínicos terão sido preservados
Os hospitais e centros de saúde da Madeira estão ligados em rede – são milhares de terminais de computadores que registam milhares de actos clínicos por dia – há 20 anos e há 20 anos que todos os processos clínicos dos utentes são digitais. Ou seja, nesse processo estão as vacinas, as consultas, as cirurgias e análises feitas por cada pessoa nestas últimas duas décadas. Esses dados clínicos terão sido preservados, mas é possível que os dados pessoais como números de telefone, números de utente tenham sido expostos. Essa é a investigação que irá decorrer depois, dado que de momento o mais importante é manter os serviços a funcionar.
Ricardo Pereira
Enquanto não está operacional um sistema informático provisório – o que deverá acontecer em breve – foi preciso recuar 20 anos e voltar aos processos em papel. O que significa que está tudo a demorar um pouco mais. Iolanda Chaves que veio trazer a mãe para uma cirurgia às cataratas - uma das cirurgias não urgentes que se realizaram esta segunda-feira na Madeira - explica que no acolhimento são feitas todas as perguntas que fazem nas primeiras consultas. “Os funcionários seguem uma espécie de guião, perguntam tudo, que medicamentos estão a tomar. A sorte foi a minha mãe ter sempre uma bolsinha com os nomes de todos medicamentos que toma”.
O regresso ao papel e ao modo analógico foi a solução para não fechar os hospitais e os centros de saúde. Na verdade nos centros de saúde o dia correu de forma quase normal com exceção de algumas primeiras consultas e em que é essencial ter acesso aos resultados de análises e exames já feitos. Esta terça-feira, no entanto, não haverá vacinação nos centros de saúde. Este modo analógico vai continuar a ser a regra nos próximos dias. As consultas voltam a ser feitas a partir desta terça-feira sem qualquer condicionamento nos hospitais, mas continuam suspensos os exames e as análises não urgentes e será dada prioridade às cirurgias urgentes.
O comunicado do SESARAM emitido ao fim da tarde desta segunda-feira, 7 de Agosto, pede, no entanto, que os utentes levem todos os exames e relatórios que tenham para facilitar o atendimento, assim como a lista de medicamentos que estejam a tomar. O mesmo comunicado refere que os telefones do Hospital Central do Funchal já estão a funcionar, assim como os do Hospital Dr. João de Almada, unidade onde estão internados os doentes que precisam de cuidados paliativos e cuidados continuados.
Os serviços de saúde tentam recuperar o sistema e, a par disso, começou já uma investigação da Polícia Judiciária, que resultará na abertura de um inquérito do Ministério Público. A PJ acredita que este ataque, apesar de ter ocorrido na Madeira, não tem uma relação direta com a região. Ou seja, quem fez isso, terá escolhido o SESARAM de forma aleatória.