Sociedade

“Não nos podem calar, isto só se vê nas ditaduras”. Professores em protesto em Lisboa reagem contra os serviços mínimos

“Não nos podem calar, isto só se vê nas ditaduras”. Professores em protesto em Lisboa reagem contra os serviços mínimos
Nuno Fox

Milhares de profissionais das escolas (sindicato STOP estima 100 mil) estão em protesto em Lisboa, garantindo que os serviços mínimos não irão acabar com a greve por tempo indeterminado que começou a 9 de dezembro, e exigindo que o presidente da República “tome uma posição de uma vez por todas” face aos problemas que assolam o ensino

O decretar de serviços mínimos foi visto como um “boicote” pelos professores e todo o pessoal escolar, que se manifestam em Lisboa este sábado, num protesto convocado pelo Sindicato de todos os Profissionais de Educação (STOP).

“É greve porque é grave”, e “quem dorme em democracia, acorda em ditadura”, ostentavam cartazes da manifestação de professores que começou por volta das 13 horas, junto ao ministério da Educação, e que passa pelo Palácio de Belém.

“Esperamos, com esta massa gigantesca em protesto, que o Presidente da República, de uma vez por todas, tome uma posição, se continuar na neutralidade face a esta grande mobilização, é porque está do lado do opressor”, salientou André Pestana, coordenador do STOP, prevendo que a manifestação em Lisboa tenha a adesão de cerca de 100 mil pessoas.

Nuno Fox

“Habituem-se à nossa luta”, “a lutar também estamos a ensinar” ou “estou em luta pela educação”, são algumas das palavras de ordem entoadas pelo pessoal escolar na manifestação em Lisboa. São várias as frentes de reivindicação que estão em jogo, e que estão longe de terem ainda recetividade do Governo à mesa das negociações, a começar por melhorias salariais e de condições nas escolas, incluindo a contagem integral do tempo de serviço que esteve anos congelado, ou o fim das quotas nas vagas de acesso ao 5º e 6º escalão da carreira dos professores, a par da criação de um subsídios para compensar as despesas dos professores deslocados a centenas de quilómetros das suas casas.

“O principal é a recuperação do tempo de serviço, o fim da burocracia das tarefas que temos, que é muita, e queremnos sobretudo respeito”, resume Ana Pereira, professora de história em Albufeira, que veio a Lisboa participar na manifestação, considerando que o decretar de serviços mínimos foi “um boicote”. Quem fica obrigado aos serviços mínimos são os professores que acompanham os alunos com necessidades especiais e os funcionários não docentes, "e o que vai acontecer é que vamos dar continuidade à greve e tentar fechar as escolas, em apoio ao restante pessoal, até conseguirmos uma solução de respeito do lado do Governo.

Nuno Fox

Professora da Póvoa do Varzim em Grândola, com os filhos divididos nos dois lados

Do agrupamento de escolas do Alentejo litoral, onde há cerca de 50% de professores deslocados, chegaram hoje quatro autocarros cheios de pessoas para participar na manifestação em Lisboa. A protestar em voz alta, está Sónia Amorim, professora de português, que é da Póvoa do Varzim e está colocada em Grândola desde setembro.

Que apoios tem para a deslocação para dar aulas em Grândola, quando vive na Póvoa do Varzim? “Nada. E obriga-me a ter a família dividida: uma das minhas filhas está comigo em Grândola, a outra está com os avós na Póvoa do Varzim”, frisa Sónia Amorim, considerando que o decreto de serviços mínimos é “retirar-nos um direito fundamental de nos pronunciarmos a fazer greve, e que está na Constituição”.

A indignação é partilhada por Carla Paredes, professora de matemática deslocada no Alentejo. “Tenho 49 anos, e vivo num quarto a 300 e tal km de casa. Ganho 1000 euros, e um quarto é para impostos. Sou contratada há 16 anos, e tenho 11 anos de tempo de serviço, porque estive colocada no ensino profissional, que não é contabilizado, o que é uma vergonha”, relata.

A professora enfatiza ainda a “sobrecarga burocrática” a que estão submetidos os docentes, e questiona: “Porque é que temos quotas? Se não tirarem as quotas vou fazer o mesmo, dar também quotas aos meus alunos”. Carla Paredes espera que “ministros e governantes percebam que a educação é a base de uma sociedade, que a escola pública tem de ser de qualidade, e que pensem nos jovens de hoje. E em vez disso, estamos a perder a liberdade de expressão para nos manifestarmos”.

Nuno Fox

Também pais ou familiares dos alunos marcam presença na manifestação. “Os pais estão do nosso lado, sabem que estamos a lutar pelos seus filhos, estamos a lutar pelos nossos filhos, a caminhar para um melhor ensino”, realça António Fechado, delegado sindical do STOP. Com a manifestação deste sábado, o objetivo é “mostrar a todo o povo que estamos a fazer uma revolução, a lutar para sermos ouvidos. O país está um caos, e há dinheiro para tudo, menos para a educação”.

"Avó apoia docentes e não docentes” - é um dos cartazes que se podem ver na manifestação, e quem o traz é Virtuosa, com 63 anos. “Tenho 10 netos nos cinco agrupamentos de escolas de Portimão, sou voluntária em um dos agrupamentos, e bem sei as péssimas condições que se vivem. O pessoal das escolas está a pedir aumentos, mas também um ensino de qualidade, e é aí que eu os apoio”.

“O sr. ministro que se lembre de quem lhe limpou o nariz quando era pequeno”, dizem os funcionários

Nuno Fox

Os protestos em Lisboa abrangem todos os funcionários das escolas, além dos professores, que vieram a Lisboa de vários pontos do país. Carolina Tomás, assistente auxiliar que veio de Alfufeira, diz-se indignada com os serviços mínimos decretados na sexta-feira, obrigando todo o pessoal não docente a trabalhar, contra a luta que os move.

“Eu trabalho em serviços mínimos há muito, muito tempo. No ano passado estive em 10 dias das minhas férias a fazer horas extraordinárias, porque não havia pessoal. E só na semana passada foram mais de duas horas e meia”, frisa Carolina Tomás

“Não estamos a fazer serviços mínimos, estamos a trabalhar em serviços máximos. Somos pau para toda a obra: somos professores, somos enfermeiros, somos psicólogos, fazemos limpezas, fazemos tudo”, frisa a auxiliar de escola em Albufeira. “Faço isto porque gosto. Mas os auxiliares com 25 e 30 anos de serviço continuam a ganhar o salário mínimo. Com os descontos, o que eu costumava levar para casa ao fim do mês eram 600 euros, na semana passada subiu um bocadinho”.

Nuno Fox

Os funcionários das escolas dizem ser os mais esquecidos pelo Governo nestes protestos."Tenho um recado a dar ao sr. ministro da Educação: que volte atrás no tempo, e se lembre de quem lhe limpou o ranho do nariz quando estava no jardim-escola, de quem o levou à casa de banho ou de quem o pegou ao colo a dar beijinhos quando estava a chorar", frisa Carolina Tomás.

“Estou a três anos da reforma, e estou aqui a lutar por todos os outros, que começaram agora a ganhar salário mínimo. Gastei tudo o que tinha para fazer um filho meu professor, e que viesse estudar para Lisboa, e estou muito, muito arrependida”, declara a auxiliar escolar.

A greve dos professores por tempo indeterminado, que começou a 9 de dezembro, coninua sem fim à vista, e os manifestantes em Lisboa entoaram alto e a bom som que“não nos podem calar”. Como sublinha António Fechado, delegado sindical do STOP, “os serviços mínimos são uma afronta à liberdade de fazer greve, que só se vê nas ditaduras. Taparam-nos a boca, mas estamos hoje aqui a manifestar a nossa indignação, e a prosseguir a luta por um ensino melhor”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cantunes@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas