Conduzir durante uma tempestade. A atenção não se dispersa. O olhar recai sobre aquilo que se dispõe imediatamente em frente. E mesmo a vista da estrada poderá ser dificultada pela chuva. A metáfora, ainda que imperfeita, foi usada por Eldar Sharif para ilustrar a própria teoria da “mentalidade da escassez”, explicada no livro “Tirania da escassez: porque é que tão pouco significa tanto!”.
O professor de ciências comportamentais da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e ex-consultor da Casa Branca no tempo do presidente Barack Obama, explica como a perceção de escassez, seja ela financeira ou de outra ordem, leva as pessoas a um estado psicológico em que a “largura de banda” da máquina de dois quilos que vive dentro do crânio deixa de saber lidar com assuntos considerados secundários naquele momento.
Esse mindset, que, sem melhor tradução, é definido como mentalidade, compromete a resolução de problemas, a capacidade de avaliar as opções disponíveis e até de tomar boas decisões. Quem o diz é a psicóloga Edite Queiroz, numa entrevista ao Expresso que tenta escrutinar em que é que a escassez pode afetar a saúde psicológica e, por consequência, como é que a falta desta corrobora a situação de escassez, numa simbiose que se prolonga no tempo e afunda desigualdades. E a psicóloga grita: já não chega só ajuda psicológica. Há que eliminar a pobreza.
As pessoas com recursos mais escassos vivem com menos disponibilidade psicológica para se dedicarem a assuntos não imediatos?
Quando se vive numa situação de escassez económica crónica, uma situação de grande precariedade que se prolonga no tempo, todos os recursos das pessoas, inclusivamente os cognitivos, são dedicados e concentrados na resposta a essas urgências. De tal forma que tudo o que exceda a resposta a essas urgências - que podem ser comprar comida, pagar a renda, pagar o empréstimo ou acertar contas atrasadas - deixa de ser relevante para elas, acaba por ficar secundarizado e depois até esquecido. Fazendo uma analogia com a categorização das necessidades de Maslow, é como se todos os nossos recursos mentais fossem dedicados à satisfação do primeiro nível da pirâmide, à base, e faltassem recursos para aceder aos outros níveis.
O esquecimento de questões consideradas acessórias, a longo prazo, tem um comprometimento sério?
Sim. Quando esse mindset de escassez se instala, a pessoa passa a ter um pensamento enviesado no que diz respeito à resolução de problemas e à tomada de decisão – e pode, inclusivé, tomar más decisões e ter comportamentos destrutivos.
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