Sociedade

Processo-crime do atentado ao Papa em Fátima há 40 anos vai transitoriamente para a Torre do Tombo

O Papa João Paulo II e a irmã Lúcia, em Fátima, a 13 de maio de 2000
O Papa João Paulo II e a irmã Lúcia, em Fátima, a 13 de maio de 2000
lusa

O processo da tentativa de homicídio do Papa João Paulo II pelo padre espanhol Juan Krohn em 1982 foi o primeiro com impacto mediático e projeção internacional que alguma vez passou pelo Tribunal de Santarém

O processo judicial da tentativa de atentado contra o Papa João Paulo II, em maio de 1982, no Santuário de Fátima, vai transitoriamente para o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, disse o diretor-geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas.

"Vamos receber o processo transitoriamente. Tratando-se de um processo individual, ele será remetido depois para o Arquivo Distrital de Santarém, espaço mais indicado devido à relevância do processo", afirmou Silvestre Lacerda.

O juiz Santos Cabral, que integrou o tribunal que julgou Juan Krohn por tentativa de homicídio do Papa João Paulo II, considera que este foi o primeiro julgamento com impacto mediático e o que teve maior projeção internacional.

"Foi o primeiro em que houve esta interação entre o tribunal e a comunicação social e a opinião pública", afirmou o juiz conselheiro jubilado Santos Cabral, numa entrevista no âmbito das II Jornadas de Direito Criminal da Comarca de Santarém, sobre os 40 anos do processo-crime da tentativa de atentado contra o Papa, em 12 de maio de 1982, no Santuário de Fátima.

O ex-reitor do Santuário de Fátima Luciano Guerra afirmou que a tentativa de atentado a João Paulo II o deixou "muito surpreendido", enquanto o bispo emérito Serafim Ferreira e Silva realçou a serenidade do Papa perante o acontecimento.

"Surpreendido, muito surpreendido, sobretudo porque era um padre", disse o monsenhor Luciano Guerra, a propósito das II Jornadas de Direito Criminal da Comarca de Santarém, sobre os 40 anos do processo-crime da tentativa de atentado de 12 de maio de 1982 contra o Papa, no Santuário de Fátima.

O perdão do Papa ao padre que o tentou matar

Nessa noite, João Paulo II (1920-2005) subia a escadaria do santuário, onde peregrinou para agradecer à Virgem de Fátima o ter salvado do atentado, um ano antes, na Praça de São Pedro, em Roma, quando foi vítima de uma tentativa de atentado pelo padre espanhol Juan Fernández Krohn.

No livro "João Paulo II - Peregrino de Fátima", lê-se que eram 22h40 quando "um 'padre' (julgou-se que fosse um terrorista vestido de sacerdote!) tentou forçar a multidão e saltou para se lançar contra o Papa".

"Empunhava um sabre afiado, de 37 centímetros de comprimento e pretendia trespassar o coração" do Papa, relata o livro, explicando que Krohn aderiu, em 1974, ao movimento tradicionalista e anticonciliar do arcebispo Marcel Lefebvre (que foi suspenso do exercício das ordens sacras por Paulo VI), mas "não tardou a radicalizar as suas posições".

Explicando como o atentado foi abortado por elementos da segurança, o autor, padre José Geraldes Freire, descreve que João Paulo II foi avisado de que "um sacerdote tinha caído doente", pelo que voltou para trás.

"Ao microfone, o reitor do Santuário de Fátima esclarece a multidão de que o Santo Padre desceu para ver um sacerdote que caiu na escada, mas vai regressar ao altar", adianta o livro.

Ao "padre doente", João Paulo II lançou um "gesto de bênção" e, quando fazia uma segunda bênção, aquele gritou, entre outras coisas, "Acuso-te de destruíres a Igreja!" e "Morra o Concílio Vaticano II".

Quatro décadas após a tentativa de atentado, Luciano Guerra, de 90 anos, declarou não se ter apercebido da situação.

"Só me recordo que o Papa, em determinada ocasião, voltou-se para trás. Já estava muito pertinho do altar e voltou-se para trás. Não julguei nada naquele momento. Deu-se a celebração e eu, só no fim, é que soube que tinha havido um atentado, só no fim da celebração", esclareceu.

Para Luciano Guerra, "um padre que comete um erro desses é um homem que está tresloucado", observando que cometeu "um sacrilégio, uma vez que o Papa era uma entidade espiritual, religiosa e suprema da Igreja".

Referindo não ter procurado depois acompanhar a vida de Juan Krohn, que deixou o sacerdócio, o antigo reitor assumiu que, em posteriores visitas papais, a segurança no templo mariano foi "muito mais reforçada".

"Um pobre sacerdote espanhol toldado por fanatismo incompreensível".

"Na primeira [visita de João Paulo II] até achei que era exagerada" a segurança, declarou, para reconhecer que nas seguintes foi "mais cuidada".

Já o bispo emérito da Diocese de Leiria-Fátima Serafim Ferreira e Silva, à data auxiliar de Lisboa e secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, lembrou que, na noite de 12 de maio de 1982, no recinto, viu "um burburinho, uma agitação" e que "alguém intercetou o agressor".

"Recordo do gesto dele [Juan Krohn] com qualquer coisa que depois soube que era uma espécie de punhal", referiu, recordando que João Paulo II "se apercebeu, mas depois seguiu e tudo continuou com toda a normalidade, não houve alarme".

Segundo o bispo, de 92 anos, "a comunidade celebrativa que enchia o recinto, com muitos milhares, não se apercebeu bem na altura, apercebeu-se de que houve qualquer agitação, mas nada de alarmar".

"E, depois, no dia seguinte, vi que o Papa João Paulo II quase não falava do assunto e isso, para mim, foi o testemunho maior de serenidade de quem está ao serviço de Deus", realçou Serafim Ferreira e Silva.

Dizendo que não tentou, posteriormente, saber do percurso de vida de Juan Krohn - "perdeu-se na História para mim" -, o bispo classificou a tentativa de atentado como uma loucura.

"Foi um ato tresloucado", resumiu Serafim Ferreira e Silva, explicando a sua "leitura ambientalizada" do acontecimento, para lembrar que, "na igreja mais tridentina, mais tradicionalista", o "ar de renovação" saído do Concílio Vaticano II originou "algumas reações contraditórias", tendência que "ainda hoje permanece".

Na edição de 13 de junho de 1982 do Voz da Fátima, a primeira visita de João Paulo II a Fátima é o destaque, incluindo a tentativa de atentado por parte de Juan Krohn, descrito como "um pobre sacerdote espanhol toldado por um fanatismo incompreensível".

O jornal, propriedade do santuário, salienta que "foi com emoção que as pessoas, que se deram conta da realidade, viram o gesto humaníssimo do Papa abençoando o agressor frustrado".

João Paulo II, canonizado em 2014, estaria em Fátima mais duas vezes, em 1991 e em 2000. Neste último ano, para beatificar os videntes Francisco e Jacinta Marto.

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