A partir de três mortes é considerado um assassinato em massa, anunciou João Real ao juiz no tribunal. “Talvez fosse esse o número de pessoas que queria atingir. Queria chamar a atenção da comunidade com o meu ataque.”
O jovem acusado de terrorismo por planear o ataque à Faculdade de Ciências de Lisboa enfrentou, assim, o arranque do seu julgamento esta terça-feira. “Queria depois do ataque cometer um suicídio. Queria esfaquear-me na barriga. Foi inspirado num vídeo jogo. A pessoa espeta a faca na barriga e morre.”
João Real começou a idealizar esse plano de ataque na universidade em janeiro de 2022. “Atribuo essa ideia ao facto de ter tido covid-19 e uma depressão, de estar em Lisboa a viver e de querer chamar a atenção das pessoas da comunidade.” Mas garantiu: “Não pretendia atingir ninguém em especial”, respondeu ao juiz quando lhe perguntou se ele pretendia atacar um professor ou um colega em específico.
João Real confessou na sala de audiências que já tinha interesses vindos de trás em assassínios em massa, nomeadamente de tiroteios em escolas. “Começou em 2018, depois de ter visto vídeos sobre um assassínio em massa, e continuei a ver mais vídeos desses. Estava fascinado com esses vídeos de assassinatos. Queria saber mais sobre essas pessoas. O interesse ia aumentando e contactei com pessoas através das redes sociais.”
A única dessas pessoas com quem falava sobre os assassínios em série que conheceu pessoalmente foi Micaela. “Falávamos no Tumblr, desde junho de 2018. Em outubro de 2021 encontrei-me com ela. Só uma vez. Tive uma atração por ela. Era um amor platónico. Mas os pais dela não gostaram de mim quando fui a casa dela. E não nos vimos mais. Fiquei um bocado deprimido.”
A sua depressão pela rejeição de Micaela contribui para pensar no plano de ataque, assumiu o réu que garante, no entanto, não lhe ter falado nesse plano. "Ela também era depressiva. Tentou cometer um suicídio. Só voltei a falar com ela em janeiro. Mostrei-lhe fotos da besta, contei-lhe que estava muito triste.” Sobre Micaela disse ainda que queria fazer um ato de suicídio com ela. Mas desistiu da ideia, assegurou.
Assumiu que terá falado com uma colega da universidade sobre esse plano. “Uma rapariga nepalesa do mesmo ano na faculdade, no 1.º ano.” O juiz quis saber porque decidiu contar o plano a essa sua colega. “Pensei que podia confiar nela e acreditei que ela tinha pensamentos semelhantes. Falávamos no Discord [rede social].”
No Tumblr conheceu um utilizador em 2020. “Ele tinha interesse por assassinatos em massa.” Só o conhece pelo nickname. Com ele, falou sobre um plágio que poderia custar-lhe a carreira académica. “Foi um trabalho feito nas férias de Natal [2021]. Quando estava com covid e fiquei muito deprimido. Copiei por um colega meu, na cadeira de Introdução à Programação Informática.” Mas a questão do plágio não teve influência na ideia do ataque à faculdade, garantiu.
Em janeiro de 2022, comprou armas através do OLX: uma besta e uma faca militar. E adquiriu uma arma numa loja de caça. Também pretendia usar o martelo no ataque. Mas não sabe explicar como. Queria comprar as armas que “pareciam fixes” por uma questão estética.
Confessa que os produtos inflamáveis que tinha em casa faziam parte do plano. “Não pensei bem nisso. Ia dar-lhes uso. As garrafas de vidro iam ser usados para fazer Cocktails Molotov.”
“Talvez fosse para o auditório e usar os Cocktails Molotov, as setas, matar e esfaquear pessoas.” Queria que as pessoas se assustassem e saíssem dali. Mas disse não ter a certeza se iria ficar à porta à espera delas.
João Real contou ao coletivo de juízes que aprendeu a fazer Cocktails Molotov na Internet e já tinha álcool etílico nas garrafas de vidro em casa para esse efeito. Queria que as garrafas estivessem já prontas para ir para a faculdade de ciências de Lisboa.
Ainda sobre as armas, disse ter experimentado “pouco” a besta, no quarto, tendo comprado esta arma no final de janeiro.
Ao total, diz ter gastado 400 euros em armas, que nunca saíram do apartamento. Nas poucas vezes que navegou na darkweb, em 2019 ou 2020, procurou sites para comprar armas de fogo. Mas eram muitos caras. “Sabia que legalmente não podia ter armas”.
Contradições e adiamentos
Como ia executar esse plano?, perguntou-lhe o juiz. “Queria levar as armas para a faculdade. Ir à casa de banho preparar-me e fazer o ataque durante cinco minutos.” Os cinco minutos do ataque tinha a ver com o tempo que a polícia ia chegar à faculdade. Como acontece num videojogo que costuma jogar.
No quarto do apartamento onde vivia, nos Olivais, tinha um calendário, escrito em português e em inglês, em que dizia que devia ter feito o ataque na segunda-feira, dia 7 de fevereiro. Mas também escreveu “sexta-feira dia 11, Dia Final”. Sabia que nesse dia iria haver um exame às 13h. “Iria dirigir-me ao auditório do Bloco 3”. Escolheu esse bloco para não permitir que as pessoas desse auditório lhe atirassem com cadeiras.
No trajeto entre casa e a faculdade, “iria transportar o material numa mala de viagem e numa mochila”, revelou. Fez algum ensaio, ou reconhecimento, para avançar com o ataque?, perguntou-lhe o juiz. “Não me lembro.” Depois, garantiu: “Não.”
João Real admitiu minutos depois ao juiz que foi adiando o ataque. Começou por planeá-lo “para dia 3, depois para dia 4, a seguir para o dia 7, depois para dia 9 e por fim para o dia 11”. Seria preso pela equipa de contra-terrorismo da Polícia Judiciária no dia 10, quinta-feira.
E porque razão João Real não avançou com o plano num daqueles dias? “Porque não queria. Acho que não queria fazer aquilo realmente.” Esta indecisão deveu-se ao facto de achar que não tinha “coragem para matar uma pessoa”. Uma das contradições que ficaram patentes no seu depoimento. Disse depois em tribunal ter comprado o material apenas para “exibi-lo a algumas pessoas” nessas comunidades virtuais. “Todos terão os seus 15 minutos de fama, como diz o Andy Wahrol.”
A escola era mais importante para ser o local de ataque porque sabia que “chama mais a atenção”. As pessoas sentem “mais fascínio dos ataques feitos por adolescentes”.
Hoje, nem sequer quer pensar naqueles dias. Tem tido acompanhamento médico no Hospital-Prisão de Caxias, onde se encontra em prisão preventiva. “Tenho estado bem. Não estou deprimido.” Atualmente diz ter a consciência de que “é errado matar pessoas”. Algo que não acontecia em fevereiro.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes