Vítor Macedo, 30 anos, furtara o carro na madrugada desse dia, em Alfena, Valongo, e fugiu à polícia em contramão, atropelando um ciclista de 62 anos que acabou transportado para o Hospital de Pedro Hispano com uma fratura na clavícula. Na viatura foram encontrados produtos estupefacientes.
Na véspera, o arguido, 17 vezes condenado por furtos simples, acabara de sair mais uma vez em liberdade, após ter sido ouvido no Tribunal de Instrução Criminal do Porto na sequência da detenção pela GNR, em Vila do Conde, por faltar a uma diligência judicial.
A saga de crimes e fuga às autoridades policiais escalou a partir de maio, quando Vítor Macedo foi surpreendido, em flagrante, a furtar um catalisador no Pinheiro Manso, na zona da Boavista, por agentes da Esquadra de Investigação criminal da PSP do Porto. A detenção ocorreu após ter escapado num automóvel furtado, perseguição em que provocou um acidente ao conduzir em marcha-atrás. Levado a tribunal, foi-lhe decretada a medida de coação de apresentações diárias às autoridades.
No final do mesmo mês foi detido para interrogatório no Tribunal de Gondomar devido a um processo de furto e voltou à rua. Em junho, voltou a ser alvo de três detenções - uma no Bairro do Cerco, no Porto, outra em São Félix da Marinha, em Vila Nova de Gaia, operação em foi também detido um presumível cúmplice, e outra na Granja, também em Gaia. No tribunal desta comarca, ficou novamente livre.
Em agosto, voltou a bisar os delitos do costume e a sair em liberdade, dada a moldura penal para este tipo de crimes não ser superior a cinco anos, ou seja, não prever castigos de prisão efetiva.
Um caso ridículo aos olhos do cidadão
Embora tenha por princípio não se pronunciar sobre “questões operacionais concretas” e deixe à justiça as matérias judiciais, o presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP) refere ser difícil não ter alguma opinião sobre este caso, não só por “se ter tornado ridículo”, como por parecer uma "desautorização da polícia aos olhos dos cidadãos".
Paulo Santos concede que os tribunais “tenham feito uma leitura correta das leituras penais” e agido em conformidade ao não recorrerem “à privação de liberdade” do arguido, mas preocupa-o o facto de a reincidência e mediatismo do caso “criar na sociedade um erro de perceção” ao nível da segurança pública. “Não é tanto a mossa que possa causar aos profissionais de polícia, até porque cumprirem bem a sua missão ao deter o indivíduo, mas o risco de serviço operacional das polícias sair desacreditado”, diz o líder da maior associação sindical do sector.
Apesar de garantir que os profissionais estão “de consciência tranquila” e a PSP ser uma das instituições respeitada, o seu maior temor é, contudo, que este caso gere na opinião pública a perceção de que “andam a brincar com a polícia”.
Apreciação caso a caso justifica leveza das penas
Questionado como foi possível o arguido com um longo historial criminal ter sido detido e libertado tantas vezes num curto espaço de tempo, Paulo Pimenta explica que tal sucede por, em princípio, a definição das medidas de coação ser feita no respetivo processo. “Não havendo em cada processo informação mais alargada, o que deveria ser acautelado pelo Ministério Público, a decisão, por estranho que pareça, acaba por ser compreensível”, nota o presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados.
Das 16 condenações por furto simples, Vítor Macedo acabou por ser castigado com multas ou penas de prisão suspensas. Paulo Pimenta sustenta que para haver medidas de coação mais gravosas o Ministério Público teria de tratar “os processos em simultâneo”. Até agora, os crimes e castigos do 'rei dos catalisadores' têm sido apreciados caso a caso, o que justifica a leveza das penas. Na ordem de prisão preventiva a que ficou sujeito o arguido desde o fim de semana, terá pesado o atropelamento de um ciclista, mas também o facto de a 30 de setembro, data do seu último julgamento, a que não compareceu, ter sido condenado a 10 meses de prisão efetiva, pena ainda passível de recurso para o Tribunal da Relação.
Segundo o Jornal de Notícias, a juíza do Tribunal Criminal do Porto argumentou que o registo criminal do arguido “revela que vem fazendo do crime de furto o seu modo de vida, sendo o peso dos 16 furtos pelos quais já foi condenado muito relevantes”.
A insegurança criada pelo furto de automóveis e consequente “alarme social na comunidade” foram outras razões a pesar na efetividade da execução da pena, além de ter sido considerado importante que a comunidade “sinta que a lei garante e repõe a ordem pública”. O crime em causa remonta a janeiro de 2020, quando o então mecânico furtou um Audi 80 em Ramalde, no Porto. Segundo o JN, Vítor Macedo foi detido quatro dias depois ao volante do carro, onde guardara sete bidões de gasóleo, duas gazuas e dois telemóveis alheios.
À pergunta se o cidadão comum percebe que quem comete crimes reiteradamente permaneça em liberdade, Paulo Pimenta alega que "não percebe" e é "normal que não perceba", porque também não percebe de outras áreas de conhecimento mais específicas, como medicina. Para evitar o risco de descrença na justiça, o candidato a Bastonário da Ordem dos Advogados, defende ser necessário assegurar que os processos sejam céleres e, em muitos deles, que junte os assuntos num só processo. "Infelizmente o MP só se lembra dos megaprocessos em certas ocasiões", comenta o advogado, referindo que, embora não seja este o caso, o histórico processual do arguido justificava que fosse tratado de forma a haver "um julgamento único, com efeitos penais mais intensos e eficazes".
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