É uma longa história que se estende ao longo de mais de trinta anos e, por isso, envolve vários responsáveis - da Igreja e da sociedade civil - na denúncia e combate aos abusos sexuais de menores. O tema faz, esta quarta-feira a manchete do Observador e remete para a denúncia de um caso que envolve um padre católico e uma vítima menor, feita pela família da criança diretamente ao então cardeal patriarca de Lisboa, D. José Policarpo. Segundo o Gabinete de Imprensa do Patriarcado, "na altura, foram tomadas decisões tendo em conta as recomendações civis e canónicas vigentes", mas o certo é que o sacerdote não foi suspenso de funções.
O caso remonta aos anos 90 mas, há cerca de três anos e já com um novo cardeal patriarca em funções, a vítima pediu para ser recebida no Patriarcado. Na altura, com 40 anos e o eventual crime prescrito, a vítima pedia apenas para que o seu caso servisse de modelo para que situações idênticas não se repetissem. Segundo o mesmo Gabinete de Imprensa, o encontro realizou-se e a vítima "não quis divulgar o caso", pelo que D. Manuel Clemente não o comunicou, nem às autoridades judiciais, nem tão pouco à comissão diocesana que, em 2019, o próprio cardeal patriarca de Lisboa tinha criado com o objetivo de reunir, acompanhar e denunciar os casos de abusos sexuais da Igreja. O patriarca de Lisboa foi, aliás, pioneiro na criação deste tipo de estruturas em Portugal, seguindo o pedido expresso pelo Papa Francisco e muito antes de ser obrigatória a criação dessas comissões em todas as dioceses do País.
Crime prescrito, padre doente
D. Américo Aguiar, bispo auxiliar e presidente da comissão diocesana para os abusos do Patriarcado de Lisboa confirmou ao Expresso que o caso "não foi comunicado à comissão" e por isso "não foi tratado" no âmbito dos trabalhos daquela estrutura. Dessa comissão diocesana faziam parte, em 2019, Pedro Strecht Monteiro que agora preside à comissão independente criada pela Conferência Episcopal para análise de décadas de abusos cometidos por membros da Igreja ou por entidades ligadas ao universo católico português. O pedopsiquiatra abandonou a comissão diocesana em 2021, mas dela continua a fazer parte o antigo Procurador Geral da República, Souto Moura, posteriormente chamado a fazer a coordenação entre os trabalhos das comissões diocesanas e a comissão independente.
O Patriarcado de Lisboa não reagiu, por enquanto, à notícia do Observador e remeteu o Expresso para as respostas já dadas àquele orgão de Comunicação Social e onde reafirma a total disponibilidade "para colaborar com as autoridades competentes, tendo sempre como prioridade o apuramento da verdade e o acompanhamento das vítimas".
Passados mais de 30 anos sobre os abusos, o quadro geral desta denúncia mudou substancialmente. A vítima tem mais de 40 anos e "o sacerdote está atualmente hospitalizado", segundo o Patriarcado, depois de ter cessado "funções no centro hospitalar onde trabalhava". O padre foi colocado nesta capelania em 2002, não tendo sido esclarecido o motivo e se este afastamento de uma paróquia - e do contacto direto com menores - foi motivado pela denúncia apresentada a D. José Policarpo.
O crime de abuso sexual está prescrito, mas o caso foi entregue à comissão independente que, até final do ano, apresentará o resultado da sua investigação. O Expresso tentou contactar Pedro Strecht mas não obteve resposta.
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