Sociedade

“Não há muito que esteja a melhorar” nos oceanos, mas se mais países seguissem exemplo de Portugal “muita coisas seriam diferentes”

“Não há muito que esteja a melhorar” nos oceanos, mas se mais países seguissem exemplo de Portugal “muita coisas seriam diferentes”
François Baelen / The Ocean Image Bank

Novo relatório piloto da UNESCO indica haver lacunas no conhecimento científico sobre os oceanos, mesmo em “temas que estão na agenda há décadas”. Cientistas destacam, contudo, papel exemplar de Portugal nos temas relacionados com o oceano

O relatório da Unesco é inequívoco: existe conhecimento sobre os oceanos, mas há lacunas e falhas na partilha e consistência da recolha do mesmo. Como resultado, é difícil analisar as tendências atuais, traçar previsões para o futuro e encontrar estratégias aplicáveis no terreno.

“Embora a sociedade esteja ciente, em princípio, do que está a acontecer no oceano e do que deve ser feito a esse respeito (factos ‘estabelecidos’), a descrição quantitativa do oceano é drasticamente incompleta e, como resultado, o conhecimento atual é insuficiente para informar efetivamente soluções para os problemas oceânicos que a humanidade está a enfrentar neste momento”, conclui “Relatório sobre o Estado dos Oceanos 2022.”

Henrik Enevoldsen, um dos editores do documento, sintetiza que “em geral, o nosso conhecimento consegue identificar os problemas, mas não é capaz de ser compreensivo e por isso acionável.” Mais concretamente, o dirigente do departamento de Ciências Oceânicas, parte da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (IOC) da Unesco, indica que, em muitos temas relacionados com os oceanos, a informação existente está dispersa e não é recolhida de forma sistemática.

“Um bom exemplo disso é a poluição química nos oceanos. Este tem sido um problema há provavelmente 50 anos, mas temos muito poucos conjuntos de dados que nos permitam demonstrar quais são as tendências e como está a evoluir. Não temos isso, nem em temas que estão na agenda há décadas. [Com este relatório] temos esperança de incentivar [mais investigação e observações sustentadas], isto não será suficiente com o nível atual de investimento. Alguns parâmetros vão requerer investimento substancial.”

Ainda assim, o conhecimento disponível é suficiente para o cientista traçar um cenário pouco animador. “Diria que, no geral, a resposta fácil é que não há muito que esteja a melhorar. [O lado] positivo é que há muitas iniciativas que estão a aparecer nos últimos anos e que nos estão a levar na direção certa.”

Também positivo é o balanço que Julian Barbière, dirigente do gabinete de Políticas Marítimas da IOC/Unesco e coordenador da Década do Oceano, faz do papel português. “Portugal tem sido uma nação líder no tema dos oceanos há muitos anos. Temos tido líderes muito fortes na nossa organização que são portugueses e estamos a trabalhar muito estreitamente com a representação nacional da IOC para avançar nestes problemas. Portugal é um forte contribuidor.”

Segundo o relatório, Portugal tem o segundo número mais elevado de investigadores por milhão de habitantes (apenas atrás da Noruega). Os dois são os únicos países com um rácio superior a 300 cientistas por milhão.

O país destaca-se igualmente na lista dos países que dedicam as maiores fatias da despesa total em investigação científica aos oceanos (5.º lugar), embora caia para 13.º se for considerada a fatia do PIB dedicada à ciência.

“Diria que não é um exagero dizer que se tivéssemos em média o nível de envolvimento que Portugal tem demonstrado nas últimas décadas em metas e temas relacionados com os oceanos, muitas coisas seriam diferentes”, conclui Henrik Enevoldsen.

É também da tentativa de captar mais investimento para a ciência e tecnologia dedicada ao oceanos que nasce este relatório, cuja edição piloto foi lançada esta sexta-feira na Conferência dos Oceanos.

O documento pretende ser uma publicação periódica, complementar a outros relatórios (nomeadamente os do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e que ajude na monitorizar eficientemente os 10 Desafios da Década da ONU da Ciência do Oceano (2021-2030).

O “Relatório sobre o Estado dos Oceanos” tem ainda a particularidade de querer ser uma edição mais resumida da ciência, tornando-a assim mais acessível. “O tema desta conferência é como escalar a ciência e tecnologia (...), mas para isso também precisamos de saber comunicar a ciência aos decisores. Uma das formas de o fazer é sintetizando esses dados em documentos com a informação chave que os governos podem usar para perceber quais são as pressões no ambiente marinho, mas também quais são as potenciais medidas que podem ser adotadas”, explica Julian Barbière, dirigente do gabinete de Políticas Marítimas da IOC/Unesco e coordenador da Década do Oceano.

“Haverá sempre a questão da configuração política, que não podemos controlar. Mas podemos garantir que têm a informação certa para agir”, acrescenta Henrik Enevoldsen.

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