Sociedade

Oito serviços fechados em quatro dias: a crise nas urgências e as suas possíveis razões

Oito serviços fechados em quatro dias: a crise nas urgências e as suas possíveis razões
RUI DUARTE SILVA

Um bebé que morreu, agora sob investigação, serviços de obstetrícia encerrados e outros cheios. Desde quarta-feira que a crise nas urgências hospitalares se mostra ao país - e desde então os responsáveis do SNS vão adiantando razões. Reveja o que levou o Governo a acionar um plano de emergência para o verão

Depois de uma mãe ter perdido o bebé na passada quarta-feira, dia 8, por alegada falta de obstetras para a assistir no parto no hospital das Caldas da Rainha, tornou-se claro que as urgências não estão a funcionar como deviam - e que o fim de semana com ponte de feriado em Lisboa iria revelar-se um problema.

O caso da grávida – objeto de averiguação pelas Inspeção-Geral das Atividades em Saúde – é, no entender do presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço, um sinal da falta de elementos necessários ao bom funcionamento das equipas médicas, conforme disse, no dia 9: “Temos que ter a noção de que não se pode ter equipas desfalcadas e encerramentos de urgências sem consequências, e as consequências advêm de uma crise que já se arrasta há mais de três anos e para a qual temos repetidamente chamado a atenção”.

Também no Hospital Garcia de Orta (HGO), em Almada, não houve atendimento urgente de ginecologia e obstetrícia durante o dia 8 e as 08h30 do dia 9 e de ortotraumatologia até às 20h00 do dia 8. Esta segunda-feira, dia 13, hoje foi o Hospital de Vila Franca de Xira que pediu ao Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) para encaminhar para outras unidades os utentes transportados em ambulância, por incapacidade do seu Serviço de Urgência. Fonte do Hospital de Vila Franca de Xira disse à Lusa que a situação abrange apenas a Urgência Geral de adultos e doentes que chegam de ambulância, estando o serviço a funcionar para utentes que chegam pelos próprios meios. As urgências de obstetrícia e pediatria estarão a funcionar normalmente - estava prevista a regularização da situação na Urgência Geral a partir das 21h00. Na Guarda, também as urgências de ortopedia ficaram suspensas nos últimos dias, conta o Público, acrescentando à lista de problemas os condicionamentos da Viatura Médica de emergência e Reanimação.

No entanto, os problemas têm sido vários neste longo fim-de-semana. A Ordem dos Médicos, através de Alexandre Valentim Lourenço, salientou o facto de, nos últimos meses, se terem multiplicado situações de maternidades sem escalas completas, sem planos de contingência, e sucessivos encerramentos de urgências: “Agora que se aproxima o verão, vamos perceber que isto poderá ser quase uma rotina e não uma exceção.”

A 10 de junho, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) considerou que, na origem do caso em que uma grávida perdeu o bebé no hospital das Caldas da Rainha, esteve a inadequação dos serviços de obstetrícia. “Naturalmente que não podemos tirar conclusões antecipadamente, mas há uma razão de fundo, a falta de resposta”, avançou o representante do SIM, Jorge Roque da Cunha.

No dia a seguir à morte do bebé, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Oeste emitiu um comunicado afirmando que houve, de facto, constrangimentos no preenchimento da escala médica – o que determinou o encerramento da urgência ao CODU/INEM, após a definição de circuitos de referenciação de doentes com outros hospitais.

Na página do SIM, no dia 9, o apelo foi feito ao Ministério da Saúde. Sublinhou-se os problemas que se sentem em hospitais como São Francisco Xavier (urgência de obstetrícia fechado sexta à noite e sábado de manhã), Caldas da Rainha, Barreiro (serviço também encerrado sábado e domingo até às 8h00), Setúbal e Santarém ( ambos com limitações), Almada, Amadora-Sintra, onde as escalas de urgências estão abaixo dos mínimos para os serviços de obstetrícia e pediu-se soluções.

Alexandre Valentim Lourenço já tinha avisado que enquanto houver equipas reduzidas a dois elementos estes casos vão continuar a acontecer. “As equipas têm de ter três, quatro, cinco pessoas.” Se a equipa não tiver o número de médicos que é necessário, estes profissionais podem emitir escusas, por falta de condições mínimas que garantam o cumprimento das suas obrigações, já que, se correr algo de errado acontecer, incorrem em penalizações éticas e deontológicas, para além de criminais, com também Jorge Roque da Cunha destacou

No dia 12, o serviço de urgência de ginecologia e obstetrícia do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, só reabriu às 20h00. Segundo informação da Administração Regional de Saúde de Lisboa foi a única das urgências que encerrou durante o fim-de-semana: "realizaram-se 146 partos na sexta-feira e no sábado nas maternidades dos 13 centros hospitalares que possuem essa valência”. A informação pretendia evidenciar a “estreita colaboração” entre os hospitais da região. Mas, no mesmo dia, o mesmo problema colocou-se em Braga. A urgência de obstetrícia, dada a impossibilidade de completar escalas, fechou durante 24 horas.

Para Roque da Cunha, do SIM, “não é possível” que a situação se mantenha deste modo. O representante espera que haja “um mínimo de consciência” por parte da ministra da Saúde: “Soluções em vez de propaganda (...) pois não é possível pedir mais trabalho aos médicos do Serviço Nacional de Saúde, muitos dos quais já realizaram 200, 300 horas extraordinárias nos primeiros meses do ano.”

No dia 11, o presidente da Associação Europeia de Medicina Perinatal considerou “muito preocupante” o problema das equipas médicas das urgências de obstetrícia, alertando que põe em causa a qualidade dos cuidados que estão a ser prestados em Portugal: “Por exemplo, o Hospital Santa Maria, ontem [sexta-feira, dia 10], estava completamente cheio. Não havia uma única vaga na sala de partos”. O também diretor do Serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) disse que “saem cada vez mais especialistas para os hospitais privados, mas também para fazerem contratos de prestação de serviços como tarefeiros, “onde ganham muito mais do que se mantivessem nos hospitais do SNS”.

Diogo Ayres Campos avisou ainda que vão acontecer situações de grande risco se se não houver medidas de fundo: "Os hospitais que estão abertos não conseguem dar respostas ilimitadas. É uma situação muito preocupante porque já se sabia há uns tempos que havia este problema nas equipas médicas das urgências de obstetrícia, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo, mas também noutras noutros locais.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cmargato@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate