
Cocaína tem sido adulterada com codeína, aminoácidos de ginásio e ketamina
Cocaína tem sido adulterada com codeína, aminoácidos de ginásio e ketamina
Jornalista
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Mal-estar físico, dores no corpo, incluindo musculares, sensação de "cabeça vazia", sonolência e falta de energia. É assim que vários consumidores de cocaína descrevem o que sentem hoje em dia depois de consumir esta substância, apresentada sobretudo na forma de crack. “As pessoas têm uma ressaca de crack que é quase como se tivessem consumido heroína. É uma ressaca física”, diz Magda Ferreira, 48 anos e consumidora desta substância há várias décadas. “A cocaína nunca me fez isto. É uma droga estimulante, não deveria provocar este tipo de sintomas.” Ativista pelos direitos dos utilizadores de drogas e mediadora de pares no Grupo de Ativistas em Tratamentos (GAT), Magda Ferreira diz ter falado com “muitas” pessoas no terreno que relataram estes sintomas “nos últimos meses”, após a pandemia. “Dizem-me mesmo isso: que estão a ressacar.” Para a ativista, a causa é evidente e tem que ver com “adulterações na substância”. “Não tenho qualquer dúvida sobre isso.”
Por causa da pandemia e o consequente fecho do espaço aéreo, falhou o abastecimento do mercado interno da cocaína. Para manter os lucros, os traficantes tiveram de cortar mais aquela droga, o que levou a uma perda de qualidade. De acordo com fontes da PJ, a cocaína tem sido cortada com codeína, aminoácidos de ginásios e ketamina, substâncias que não cortam demasiado a potência daquela droga e que permitem um maior lucro para os traficantes. “Felizmente, em Portugal os traficantes não cortam a cocaína com fentanyl.” Trata-se de um opiáceo usado na dor aguda (em situações de pós-operatório ou doença oncológica) ou crónica, que tem levado a milhares de mortes por overdose de consumidores nos EUA. Numa análise feita no início deste ano pela associação Kosmicare, através do seu serviço de drug-checking, foram detetados adulterantes como fenacetina (fármaco analgésico), levamisol (medicamento desparasitante cuja utilização em seres humanos foi proibida devido aos efeitos adversos para a saúde) e cafeína em amostras de cocaína obtidas em contextos de maior vulnerabilidade. “São adulterantes muito comuns na cocaína”, explica Helena Valente, membro da associação e investigadora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Ressalva, contudo, que o reduzido número de amostras analisadas (dez apenas) não permite extrapolar os dados. Numa visita a um bairro no centro de Lisboa, o Expresso falou com outros consumidores que relataram estas alterações na cocaína. “No dia a seguir ao consumo, sinto dores nas costas e sono. Isto não costumava acontecer”, contou um homem de 63 anos, sublinhando as consequências. “O meu dia a dia fica muito alterado. Para conseguir fazer as atividades que fazia antes, tenho de consumir mais vezes e a dependência aumenta.” A mesma consequência foi apontada por outro consumidor, de 47 anos. “Uma pessoa acaba por ter de consumir todos os dias. É como se fosse heroína.” Além disso, “nunca se está satisfeito”. “Fumamos e, três minutos depois, queremos logo mais.”
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