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Cocaína cortada preocupa Judiciária, especialistas alertam para riscos acrescidos

Tiago Praça tem uma olaria no centro de Lisboa, onde produz peças para vários clientes. “O pessoal falava em cheiros, agora fala logo de crack”
Tiago Praça tem uma olaria no centro de Lisboa, onde produz peças para vários clientes. “O pessoal falava em cheiros, agora fala logo de crack”

Cocaína tem sido adulterada com codeína, aminoácidos de ginásio e ketamina

Cocaína cortada preocupa Judiciária, especialistas alertam para riscos acrescidos

Helena Bento

Jornalista

Cocaína cortada preocupa Judiciária, especialistas alertam para riscos acrescidos

Hugo Franco

Jornalista

Mal-estar físico, dores no corpo, incluindo musculares, sensação de "cabeça vazia", sonolência e falta de energia. É assim que vários consumidores de cocaína descrevem o que sentem hoje em dia depois de consumir esta substância, apresentada sobretudo na forma de crack. “As pessoas têm uma ressaca de crack que é quase como se tivessem consumido heroína. É uma ressaca física”, diz Magda Ferreira, 48 anos e consumidora desta substância há várias décadas. “A cocaína nunca me fez isto. É uma droga estimulante, não deveria provocar este tipo de sintomas.” Ativista pelos direitos dos utilizadores de drogas e mediadora de pares no Grupo de Ativistas em Tratamentos (GAT), Magda Ferreira diz ter falado com “muitas” pessoas no terreno que relataram estes sintomas “nos últimos meses”, após a pandemia. “Dizem-me mesmo isso: que estão a ressacar.” Para a ativista, a causa é evidente e tem que ver com “adulterações na substância”. “Não tenho qualquer dúvida sobre isso.”

Por causa da pandemia e o consequente fecho do espaço aéreo, falhou o abastecimento do mercado interno da cocaína. Para manter os lucros, os traficantes tiveram de cortar mais aquela droga, o que levou a uma perda de qualidade. De acordo com fontes da PJ, a cocaína tem sido cortada com codeína, aminoácidos de ginásios e ketamina, substâncias que não cortam demasiado a potência daquela droga e que permitem um maior lucro para os traficantes. “Felizmente, em Portugal os traficantes não cortam a cocaína com fentanyl.” Trata-se de um opiáceo usado na dor aguda (em situações de pós-operatório ou doença oncológica) ou crónica, que tem levado a milhares de mortes por overdose de consumidores nos EUA. Numa análise feita no início deste ano pela associação Kosmicare, através do seu serviço de drug-checking, foram detetados adulterantes como fenacetina (fármaco analgésico), levamisol (medicamento desparasitante cuja utilização em seres humanos foi proibida devido aos efeitos adversos para a saúde) e cafeína em amostras de cocaína obtidas em contextos de maior vulnerabilidade. “São adulterantes muito comuns na cocaína”, explica Helena Valente, membro da associação e investigadora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Ressalva, contudo, que o reduzido número de amostras analisadas (dez apenas) não permite extrapolar os dados. 
Numa visita a um bairro no centro de Lisboa, o Expresso falou com outros consumidores que relataram estas alterações na cocaína. “No dia a seguir ao consumo, sinto dores nas costas e sono. Isto não costumava acontecer”, contou um homem de 63 anos, sublinhando as consequências. “O meu dia a dia fica muito alterado. Para conseguir fazer as atividades que fazia antes, tenho de consumir mais vezes e a dependência aumenta.” A mesma consequência foi apontada por outro consumidor, de 47 anos. “Uma pessoa acaba por ter de consumir todos os dias. É como se fosse heroína.” Além disso, “nunca se está satisfeito”. “Fumamos e, três minutos depois, queremos logo mais.”

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