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Ordem dos Advogados diz ser um “absurdo total” pedir que acórdão sobre metadados só tenha eficácia futura

Ordem dos Advogados diz ser um “absurdo total” pedir que acórdão sobre metadados só tenha eficácia futura
nuno botelho

Contrariando a pretensão da Procuradora-Geral da República junto do Tribunal Constitucional, o bastonário invocou a Constituição, segundo o qual "são nulas todas as provas obtidas mediante (...) abusiva intromissão (..) na correspondência ou nas telecomunicações"

O bastonário da Ordem dos Advogados considerou hoje um "absurdo total" que a Procuradora-Geral da República (PGR) tenha requerido que o acórdão do Tribunal Constitucional sobre a lei dos metadados só tenha eficácia futura, limitando os efeitos daquela decisão.

"Alguma vez é possível que uma prova seja inconstitucional e não vá funcionar para os processos anteriores", criticou Luís Menezes Leitão, que falava durante um evento promovido pelo "International Club of Portugal" sobre "A Justiça e o Estado de Direito em Portugal".

Contrariando a pretensão da Procuradora-Geral da República junto do Tribunal Constitucional, Luís Menezes Leitão invocou a Constituição, segundo o qual "são nulas todas as provas obtidas mediante (...) abusiva intromissão (..) na correspondência ou nas telecomunicações".

O bastonário aludia ao facto de a PGR, Lucília Gago, ter divulgado na segunda-feira que requereu a nulidade do acórdão do Tribunal Constitucional sobre a lei dos metadados por omissão de pronúncia sobre a fixação de limites aos efeitos da mesma, requerendo que seja declarada a eficácia apenas para o futuro” e não tenha efeitos retroativos relativamente à recolha de metadados para investigação criminal.

O TC anunciou em 27 de abril ter declarado inconstitucionais as normas da chamada "lei dos metadados" que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.

Na sua intervenção, Menezes Leitão fez um "diagnóstico negro da justiça" e referiu vários problemas graves ligados à morosidade dos tribunais administrativos e fiscais e também dos tribunais de comércio, ao défice de magistrados e funcionários judiciais, às elevadas custas judiciais, à falta de controlo da constitucionalidade das leis durante a pandemia por covid-19.

Referiu-se ainda às "portas giratórias" entre a justiça e a política, que permite que magistrados que exercem cargos de confiança política possam regressar aos tribunais como "se nada fosse", colocando em causa a independência dos tribunais.

Em relação às "portas giratórias" entre as magistraturas e a política, sugeriu que se adote o sistema do Brasil em que um magistrado que vá ocupar funções ligadas à política já não possa regressar aos tribunais.

"A falta de investimento na justiça é colossal", realçou o bastonário, reportando-se ao Orçamento do Estado, e observando ainda que faltam 195 magistrados do Ministério Público e cerca de um milhar de funcionários de justiça.

O bastonário falou ainda da ineficácia da justiça no combate à violência doméstica por falta de funcionários e até às dificuldades de realizar uma tradução em inglês para efetuar um pedido de extradição, numa alusão ao caso de Vale e Azevedo.

O bastonário alertou ainda para o "grande descalabro da justiça penal", fazendo referência a pretensões legislativas de acabar com a fase de instrução (em que há controlo jurisdicional da acusação) no processo criminal e àquilo que designou por "obsessão pelos megaprocessos" que, disse, muitas vezes gera "mega absolvições".

Quanto à Estratégia Nacional Contra a Corrupção, foi também crítico do diploma por este ter "ficado muito aquém" do que seria esperado, designadamente ao deixar de fora a questão do financiamento dos partidos políticos, matéria que devia ser um ponto central deste combate.

O bastonário criticou igualmente o atraso do Tribunal Constitucional em fiscalizar as contas dos partidos políticos, notando que tal fiscalização está muito atrasada por falta da criação do mecanismo legal necessário e já aprovado.

Outra das críticas à Estratégia Nacional Contra a Corrupção centrou-se no facto de ter reduzido os poderes do Tribunal de Contas para fiscalizar contas abaixo de determinado valor (750 mil euros) e de impor um "retrocesso de uma década" ao deixar que os dirigentes de altos cargos públicos possam ser chamados por crimes abrangido pela responsabilidade de cargos políticos.

A morosidade nos tribunais administrativos e fiscais, onde há processos com 10,15 e 20 anos à espera de decisão, foi outro dos alertas lançados pelo bastonário, que revelou que a Ordem dos Advogados criou um grupo de trabalho para ajudar o Ministério da Justiça resolver o problema.

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