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A partir deste sábado, Portugal entra em défice ecológico. Dia da Sobrecarga da Terra é cada vez mais cedo

A partir deste sábado, Portugal entra em défice ecológico. Dia da Sobrecarga da Terra é cada vez mais cedo
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Se todas as pessoas do mundo vivessem como um português médio, a Terra esgotaria os recursos que pode renovar durante o ano inteiro já neste sábado. Mas há políticas e práticas que podem ser feitas para atrasarmos a “dívida ambiental portuguesa”, propõe a associação ambientalista Zero

A partir deste sábado, Portugal entra em défice ecológico. Dia da Sobrecarga da Terra é cada vez mais cedo

Mara Tribuna

Jornalista

A partir deste sábado, Portugal entra em défice ecológico. Dia da Sobrecarga da Terra é cada vez mais cedo

Sofia Miguel Rosa

Jornalista infográfica

Esgotamos os recursos naturais que o planeta consegue regenerar cada vez mais cedo. Portugal entra em défice ecológico este sábado, ou seja, 7 de maio marca o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) no nosso país. A data é estimada, todos os anos, pela Global Footprint Network (GFN), uma organização dedicada à gestão de recursos naturais e ao impacto das alterações climáticas.

Amanhã começamos, por isso, a viver de crédito ambiental e a usar os recursos que só deveriam ser utilizados a partir do início do próximo ano. Isto acontece porque a nossa pegada ecológica é muito superior à biocapacidade 一 a capacidade de o planeta regenerar recursos naturais e absorver resíduos.

Se todas as pessoas do mundo vivessem como um português médio, a Terra esgotaria os recursos que pode renovar durante o ano inteiro já neste sábado, ao fim de apenas o 127.º dia de 2022. Isto significa que “a humanidade exigiria cerca de 2,5 planetas para sustentar as suas necessidades de recursos”, nota a associação ambientalista Zero, que em parceria com a Global Footprint Network, atualiza os dados relativos à pegada ecológica de Portugal.

Nos últimos anos, o Dia da Sobrecarga da Terra em Portugal tem sido cada vez mais cedo, de acordo com a GFN. Em 2021 calhou a 13 de maio, ou seja, no ano passado demoramos mais seis dias a esgotar os recursos naturais. E em 2020, ano em que começou a pandemia, demoramos mais 21 dias a atingir este marco (foi a 25 de maio).

Evolução do dia de entrada em défice ecológico em Portugal

Desde 1985 que a nossa pegada ecológica começou a aumentar substancialmente, o que se refletiu imediatamente na antecipação do Dia da Sobrecarga da Terra 一 de julho recuou para junho e maio nos anos seguintes, mostra o gráfico acima. O pico foi atingido em 2005: nunca tivemos uma pegada ecológica por pessoa tão grande como nesse ano, adiantam os dados da GFN. Logo, nunca acionamos o 'cartão de crédito ambiental' tão cedo (4 de abril).

No entanto, houve uma inversão desta tendência a partir de 2010: começamos a consumir menos recursos e, como resultado, conseguimos atrasar ligeiramente o dia em que entramos em défice ecológico. Porém, desde 2018 que a “dívida ambiental portuguesa”, como denomina a Zero, tem vindo a aumentar.

Portugal é o 46.º país do mundo a esgotar os recursos mais cedo

“Portugal é, há já muitos anos, deficitário na sua capacidade para fornecer os recursos naturais necessários às atividades desenvolvidas (produção e consumo)”, alerta a Associação Sistema Terrestre Sustentável, em comunicado divulgado esta sexta-feira.

Ainda assim, não somos dos piores países 一 mas também estamos longe de estar entre os melhores. O Catar, no Médio Oriente, foi o primeiro país do mundo a esgotar os seus recursos para este ano, logo no dia 2 de fevereiro. Já Benin, na África Ocidental, será o último: o Dia da Sobrecarga da Terra só acontece a 26 de dezembro.

Portugal surge em 46.º lugar desta lista, logo atrás do Japão e da Ilha da Reunião (um departamento francês no Oceano Índico), ficando à frente de Aruba (uma ilha que pertence ao Reino Unido e Holanda), da Bielorrússia e de Espanha.

Calendário 2022 da entrada em défice ecológico por país

Para reduzir a “dívida ambiental portuguesa” e atrasar o Dia da Sobrecarga da Terra, a Zero sugere algumas políticas e práticas relacionadas com o consumo de alimentos (que “representa 32% da pegada global do país”) e a mobilidade (equivale a “18%”). Estas duas “atividades humanas diárias [são as] que mais contribuem para a pegada ecológica de Portugal”.

Entre as políticas públicas destacadas pela associação está a aposta numa agricultura de múltiplos outputs e promotora da soberania alimentar; a redução de deslocações e viagens (em particular as feitas por avião) através do teletrabalho; o investimento em infraestruturas que permita a utilização de “modos suaves de transporte”; e ainda a regulamentação, no mercado, de produtos sustentáveis, implementando normas de durabilidade, garantias do direito a reparar e atualizar, de reutilização e de reciclabilidade.

Já relativamente às práticas individuais, a Zero sugere reduzir a presença de proteína animal na alimentação; utilizar meios de transporte sustentável; e consumir de forma mais circular, mudando o paradigma de “usar e deitar fora” para “ter menos, mas de melhor qualidade”.

Pandemia contraiu a pegada ecológica da humanidade

Além de determinar o Dia da Sobrecarga da Terra para cada país, a Global Footprint Network também o faz todos os anos para o mundo inteiro. Ainda não revelada a data de 2022: só saberemos em que dia a humanidade gasta a área produtiva disponível para regenerar recursos e absorver resíduos a 5 de junho, Dia Mundial do Ambiente, como já tem acontecido nos anos anteriores.

Esta data começou a ser calculada em 1970 e, desde então, a humanidade tem entrado em défice ecológico cada vez mais cedo. De 30 de dezembro, há 52 anos, passou para 29 de julho, em 2021. A principal exceção, nas últimas décadas, verificou-se no ano em que a pandemia estourou: o Dia da Sobrecarga da Terra foi empurrado para 22 de agosto 一 em 15 anos que não era tão tarde.

Evolução do dia da Sobrecarga da Terra desde 1970

“A pandemia fez com que a pegada ecológica da humanidade se contraísse, demonstrando que é possível mudar os padrões de consumo de recursos num curto período de tempo”, salientou, na altura, a Global Footprint Network em comunicado. A data refletiu, assim, a menor utilização de recursos no primeiro semestre do ano devido aos confinamentos induzidos pela covid-19.

No entanto, o impacto da pandemia foi efémero e, no ano passado, o Dia da Sobrecarga da Terra voltou a antecipar-se. De 22 de agosto recuou para 29 de julho. Por outras palavras, tornámos a precisar de 1,7 planetas em 2021 (em vez de 1,6 como em 2020). Resta agora saber em que dia o mundo vai começar a viver de crédito ambiental este ano.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mtribuna@expresso.impresa.pt

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