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Tribunal teve em conta a “saúde” de Salgado, mas reduziu a Alzheimer à palavra “provado” (e não deu como provado que ele fosse o Dono Disto Tudo)

Ricardo Salgado. Foto: Getty Images
Ricardo Salgado. Foto: Getty Images

Acórdão do Tribunal Criminal a que o Expresso teve acesso explica que condenou Ricardo Salgado a uma pena mais leve por causa da “idade e estado de saúde” do arguido. Porém, não se pronunciou sobre o estado mental do ex-banqueiro. Defesa vai insistir na questão da “anomalia psíquica posterior” no recurso. No julgamento, ficou por provar que Salgado fosse o único a mandar no GES

Tribunal teve em conta a “saúde” de Salgado, mas reduziu a Alzheimer à palavra “provado” (e não deu como provado que ele fosse o Dono Disto Tudo)

Diogo Cavaleiro

Jornalista

Tribunal teve em conta a “saúde” de Salgado, mas reduziu a Alzheimer à palavra “provado” (e não deu como provado que ele fosse o Dono Disto Tudo)

Rui Gustavo

Jornalista

Para justificar a pena de seis anos de prisão efetiva que aplicou a Ricardo Salgado, o juiz Francisco Henriques explica no acórdão que teve em conta fatores como “a inserção familiar e social” do ex-banqueiro, “a ausência de passado criminal” e a “idade do arguido e o seu estado de saúde”. No entanto, só refere a questão da doença de Alzheimer uma única vez e para dizer que dá o diagnóstico do neurologista Joaquim Ferreira como “provado”.

De resto, e ao contrário do que pretendia a defesa do antigo gestor do Grupo Espírito Santo, não se pronunciou sobre se isso seria suficiente para suspender a pena, tendo em conta que a lei prevê que “se a anomalia psíquica sobrevinda ao agente depois da prática do crime não o tornar criminalmente perigoso,(…) a execução da pena de prisão a que tiver sido condenado suspende-se”, lê-se no acórdão a que o Expresso teve acesso.

O tribunal deu ainda como provado que “o arguido Ricardo Espírito Santo Silva Salgado tem vindo a sentir dificuldades e lapsos de memória e, ainda, desgaste emocional, físico e psicológico” e “dificuldades de audição”, mas isso só o salvou de uma pena mais pesada. O juiz explica que cada um dos três crimes de abuso de confiança que condenaram Salgado valeriam quatro anos de prisão, mas “a conjugação destes fatores enfraquece as necessidades de prevenção especial, devendo o seu grau deve situar-se num plano abaixo do da prevenção geral positiva”.

Durante o julgamento, a defesa tentou suspender o processo com base no diagnóstico, mas o juiz considerou que era extemporâneo e que no fim faria essa ponderação. “E agora limitou-se a um chavão sobre o estado de saúde e a idade do arguido”, lamenta uma fonte da defesa. A questão do Alzheimer vai ser novamente levantada no recurso que Salgado vai apresentar.

Por cada um dos três crimes de abuso de confiança, o coletivo de juízes aplicou uma pena de prisão de quatro anos, que depois, em cúmulo jurídico, ficaram em seis anos de pena de prisão efetiva.

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Sem gestão centralizada

O mesmo tribunal que condenou Salgado por se apropriar de 10,7 milhões de euros que pertenciam ao Grupo Espírito Santo não deu como provado que havia uma gestão centralizada na pessoa do presidente executivo do banco, o principal ativo daquele universo empresarial.

O tribunal coletivo que o condena diz que Ricardo Salgado tinha um “papel determinante” nos destinos no ‘Grupo Espírito Santo’, mas não estava só. “O Tribunal Coletivo não formou o convencimento da existência de uma gestão centralizada do ‘Grupo Espírito Santo’. É certo que o arguido tinha um papel determinante nos destinos no ‘Grupo Espírito Santo’, mas a estrutura de governança deste Grupo contemplava diversas estruturas colegiais Conselho Geral, Conselhos de Administração e Comissões Executivas que impediam a concentração das decisões numa só pessoa.”

Havia uma “estrutura piramidal”, em que Ricardo Salgado tinha tanto poder como os outros ramos da família Espírito Santo (incluindo Mosqueira do Amaral, equiparado à família no seio da empresa de topo): “Os vários ramos da família tinham poderes equivalentes, impedindo que um dos ramos se sobrepusesse aos restantes”. “Assim como a dispersão do Universo Espírito Santo por centenas de empresas financeiras e não financeiras constituía a existência de uma quantidade de informação que dificilmente poderia ser absorvida por uma só pessoa”, concluiu o coletivo de juízes esta segunda-feira, 8 de março.

A posição do tribunal não abarca o que foi transmitido pelo primo e ex-colega de Salgado no BES, José Maria Ricciardi, de que os membros do Conselho Superior do GES “eram espetadores daquilo que o arguido ia dizer nas reuniões”. “Qualquer decisão da área financeira e não financeira tinha de ter o acordo do arguido” é uma das considerações que consta do resumo do depoimento de Ricciardi.

GES é julgado noutro caso

Esta é uma decisão judicial tomada no processo separado da Operação Marquês, mas que deixa este comentário sobre o funcionamento do GES – tema que está a ser averiguado noutro processo, o Universo Espírito Santo, em que a instrução, que decide se haverá lugar a julgamento ou não, está a ser conduzida pelo juiz Ivo Rosa. “Esta questão acaba por não ter relevância direta no objeto do processo, ou seja, a existência ou não de uma gestão centralizada do ‘Grupo Espírito Santo’ em nada condiciona o comportamento delituoso imputado ao arguido”, diz o tribunal.

A decisão agora tomada pelo coletivo liderado por Francisco Henriques, que condena Salgado apesar de não ver nele o “dono disto tudo” no GES, segue-se a uma decisão da juíza Vânia Miguel, em Santarém, em que, condenando-o num processo saído da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, considerou que era “Ricardo Salgado que traçava as principais linhas estratégicas do grupo”.

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