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Operação Marquês: Ricardo Salgado condenado a seis anos de prisão. Juiz obrigou ex-banqueiro a entregar passaporte

Operação Marquês: Ricardo Salgado condenado a seis anos de prisão. Juiz obrigou ex-banqueiro a entregar passaporte
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Tribunal deu como provados três crimes de abuso de confiança de Salgado. Ex-banqueiro não esteve presente na leitura da sentença. Defesa vai recorrer. Salgado só pode sair do país com autorização do tribunal

“Em cúmulo jurídico, o arguido é condenado a pena de seis anos de prisão”. Esta foi a sentença lida esta segunda-feira no Campus de Justiça, em Lisboa, pelo líder do coletivo de juízes Francisco Henriques relativamente aos crimes de abuso de confiança imputados a Ricardo Salgado. Vai ser alvo de recurso.

A referência à doença de Alzheimer, que levara a defesa do ex-banqueiro a pedir a absolvição ou pena de prisão suspensa, foi limitada: o juiz disse apenas que ela se deu como provada. Ou seja, mesmo com a doença, o coletivo condenou Salgado a uma pena de prisão efetiva.

“Feita a prova do processo, o tribunal deu como provado a quase, quase totalidade dos factos constantes da acusação, principalmente relativamente aos três grandes grupos factuais, os movimentos financeiros com a Green Emerald [via Helder Bataglia], da Enterprises diretas para o arguido, e o terceiro grupo dos movimentos para a conta do Bergolino [via Henrique Granadeiro]”, segundo declarou o juiz Francisco Henriques.

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Por cada transferência, a coima parcela de pena de prisão foi de 4 anos, resultando nos seis anos de prisão efetiva da sentença.

Esta foi a decisão do coletivo de juízes liderado por Francisco Henriques. Ricardo Salgado não ouviu presencialmente a sentença, tendo sido dispensado da sessão.

Após a leitura da sentença, o juiz deu espaço para que o Ministério Público e a defesa se pronunciassem sobre se se justificava a alteração das medidas de coação aplicadas a Ricardo Salgado. O procurador Vítor Pinto viu “perigo de fuga” e quis acrescentar à lista de medidas impostas a proibição de se ausentar para o estrangeiro, com a obrigação de entrega do passaporte.

“O perigo de fuga tem de ser real, não presumido”, respondeu Adriano Squilacce, advogado de Salgado, lembrando que é necessário “perigo concreto”, e que sempre que se ausentou comunicou aos autos com uma “morada concreta”, referindo as viagens feitas à Suíça, onde ia ter com a filha.

O juiz considerou que, de facto, havia uma alteração das circunstâncias, e agravou as medidas de coação: solicitou a entrega do passaporte e disse que qualquer saída para o estrangeiro carece de autorização de um juiz.

A acusação do Ministério Público apontava para três crimes de abuso de confiança, justificados por três transferências suspeitas de 10,7 milhões de euros que saíram de entidades do Grupo Espírito Santo para a esfera privada de Ricardo Salgado, inclusivamente através de Henrique Granadeiro e Helder Bataglia.

Estes crimes saíram da Operação Marquês, tendo sido os únicos que, relativamente a Salgado, passaram pela instrução do juiz Ivo Rosa.

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Este é o primeiro processo-crime em que há uma decisão judicial relativamente a Ricardo Salgado, o homem todo-poderoso que esteve à frente do Banco Espírito Santo por 22 anos e que chegou a ser apelidado de “Dono Disto Tudo”. Até aqui, houve condenações a Ricardo Salgado, mas relativamente a contraordenações administrativas, saídas do Banco de Portugal. Agora, há a consideração pelo tribunal de que Salgado se apropriou, de facto, de dinheiro que pertencia ao Grupo Espírito Santo.

Decisão vai ser alvo de recurso

Esta decisão é recorrível e suspende a ordem de prisão, que só se efetiva quando o caso transitar em julgado e no caso de se confirmar a pena agora decidida.

Aliás, isso mesmo vai acontecer. À porta do tribunal, Francisco Proença de Carvalho anunciou que vai recorrer da decisão e, embora aguarde conhecer os pressupostos da condenação, contestou também do agravamento da medida de coação.

“A condenação com pena efetiva de alguém que sofre de doença de Alzheimer é uma condenação que, daquilo que parece a lei e também o humanismo e dignidade humana, não é aceitável”, continuou o mandatário do antigo presidente do BES. Além disso, referiu que Salgado sempre respeitou as autoridades nacionais e que não há perigo de fuga – e admitiu, em resposta a uma pergunta dos jornalistas, que esta decisão judicial se devia à saída do país de João Rendeiro, antigo presidente do BPP.

A defesa de Ricardo Salgado, liderada por Francisco Proença de Carvalho, tentou a suspensão do julgamento devido ao diagnóstico de doença de Alzheimer, argumento que não foi aceite pelo coletivo de juízes. Mesmo assim, esse foi o plano dos mandatários para que não houvesse nenhuma pena de prisão efetiva – caso não houvesse lugar a absolvição, como defendiam. O Ministério Público pediu uma pena de prisão mínima de dez anos de prisão para Ricardo Salgado, até por não haver arrependimento.

Salgado ausente

Ricardo Salgado não se dirigiu ao tribunal para ouvir a sentença do coletivo de juízes relativamente aos crimes de abuso de confiança, mas, ao entrarem para o tribunal, os seus advogados receberam perguntas de lesados do Banco Espírito Santo, apesar de esse não ser o tema deste processo que não saiu da derrocada do GES, mas sim da Operação Marquês, que tinha José Sócrates como protagonista.

Explicando que Salgado tinha sido dispensado de vir a tribunal (ainda que tenha estado na sessão anterior, onde só falou para apontar para a sua doença), o advogado Francisco Proença de Carvalho respondeu que o antigo banqueiro sempre se preocupou com quem perdeu dinheiro com a queda do banco.

“Temos muito respeito pelos lesados. O Dr. Ricardo Salgado também tem muito respeito pelos lesados”, respondeu Proença de Carvalho quando interpelado por um lesado, que pediu um documento escrito que garantisse que havia uma provisão escrita nas contas do antigo BES para pagar aos prejudicados pela derrocada da instituição financeira.

(Notícia atualizada pela última vez às 17h15 com mais informações)

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