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Há mais de 100 portugueses nos Suisse Secrets. Os mais conhecidos? A dupla Sobrinho e Bataglia, que partilhava três contas

Há mais de 100 portugueses nos Suisse Secrets. Os mais conhecidos? A dupla Sobrinho e Bataglia, que partilhava três contas

Fuga de informação revela que Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia tiveram contas conjuntas no Credit Suisse. Uma delas era titulada por uma companhia offshore envolvida no esquema de desvio de dinheiro do BESA em Angola

Não é um crime ter contas na Suíça. A não ser que estas sirvam para lavar dinheiro com origem em crimes cometidos pelos seus beneficiários: fraude fiscal, corrupção, abuso de confiança ou burla, por exemplo. Numa fuga de informação partilhada pelo jornal Süddeutsche Zeitung com o consórcio OCCRP (Organized Crime and Corruption Reporting Project), o Expresso e 45 outros media em 39 países, no projecto de investigação Suisse Secrets, há mais de 100 clientes com nacionalidade portuguesa, mas apenas dois são visados pela Justiça: o luso-angolano Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia, fundador da Escom, o braço não financeiro do Grupo Espírito Santo em Angola.

Ambos são investigados em dois processos-crime em Portugal: na Operação Monte Branco, relacionada com o maior esquema de lavagem de dinheiro alguma vez descoberto pelo Ministério Público no país; e num inquérito-crime sobre a apropriação de centenas de milhões de euros no Banco Espírito Santo Angola (BESA), durante o tempo em que Sobrinho era presidente executivo do banco e Bataglia fazia parte da sua administração.

A lista de clientes portugueses naquele que é o segundo maior banco suíço inclui uma dezena de imigrantes na Venezuela, duas dezenas de chineses e ainda dezenas de cidadãos africanos com dupla nacionalidade, não apenas residentes em ex-colónias portuguesas mas também em países como Tanzânia e Camarões.

Todos os nomes dos clientes identificados nos Suisse Secrets foram verificados pelo Expresso. Há, de resto, ausências evidentes nessa lista. Apesar de se saber em Portugal, por exemplo, que Ricardo Salgado tinha contas no Credit Suisse — uma delas em nome da Lindsell Finance Corp e outra em nome da Savoices Corporation, através da qual recebeu 14 milhões de euros do construtor José Guilherme —, o antigo presidente do BES não aparece na fuga de informação, ainda que os Suisse Secrets abranjam contas abertas entre as décadas de 1940 e 2010.

Por outro lado, também não constam políticos nem funcionários públicos em Portugal, sendo que nem o Expresso nem nenhum dos outros 47 media envolvidos no projeto vão revelar nomes de clientes que não sejam, de alguma forma, considerados problemáticos.

Não é o caso da dupla que se segue.

Sobrinho, Bataglia e as contas partilhadas

Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia tornaram-se grandes clientes do banco a partir de certa altura. O esquema de lavagem de dinheiro investigado na Operação Monte Branco tem no seu epicentro uma pequena firma suíça de gestão de fortunas fundada em 2009, a Akoya Assets Management, detida por Sobrinho e Bataglia em parceria com três ex-gestores de contas do UBS, Michel Canals, Nicolas Figueiredo e José Pinto. Sobrinho e Bataglia eram não só donos da Akoya, como também clientes. Era a Akoya que geria as contas de ambos. E havia um banco muito apreciado por esta firma: o Credit Suisse.

Os ficheiros do projeto Suisse Secrets incluem 12 contas de que Álvaro Sobrinho foi beneficiário e dez no caso de Bataglia. Os dados mostram que, numa dessas contas, titulada através da companhia offshore Garrylake Investments, SA, o antigo CEO do BESA chegou a ter 78 milhões de dólares.

Além disso, a fuga de informação revela que Sobrinho e Bataglia partilharam três contas no Credit Suisse. Os ficheiros mostram que eles eram cobeneficiários dessas contas e que as três foram abertas no mesmo dia: 26 de janeiro de 2011.

Aparentemente, eram contas com montantes pequenos. De acordo com os Suisse Secrets, uma delas, titulada por uma companhia offshore, a Supino Holdings Ltd, chegou a ter 900 mil francos suíços em dezembro de 2011, mas as outras duas, também em nome de companhias offshore — a Jasper Creek Holdings Ltd e a Aldorf Investments Ltd —, tiveram balanços que não chegaram aos seis mil francos.

Álvaro Sobrinho

Confrontado pelo OCCRP e pelo Expresso sobre estas contas conjuntas, Hélder Bataglia diz: “Não me recordo de alguma vez ter uma conta bancária no Credit Suisse com Álvaro Sobrinho.” O presidente da Escom acrescenta que fechou todas as contas que tinha neste banco, a última delas no ano passado.

Por sua vez, embora tenha respondido a outras perguntas do OCCRP e do Expresso, Álvaro Sobrinho optou pelo silêncio em relação às questões sobre as três contas partilhadas com Bataglia.

Os dados dos Suisse Secrets foram, de qualquer forma, confirmados pelo cruzamento das informações prestadas pela Credit Suisse ao Ministério Público helvético em maio de 2015 sobre as contas de Sobrinho e por um outro relatório do género fornecido pelo banco quase um ano antes, em julho de 2014, ao mesmo procurador federal sobre Hélder Bataglia. Nesse relatório constam 27 contas. Entre elas estão as três partilhadas com Sobrinho. Estas informações do Credit Suisse foram incluídas no processo-crime principal sobre o colapso do BES em Portugal, cuja investigação terminou em julho do ano passado e já não se encontra, por isso, em segredo de justiça.

No pacote de dados fornecidos pelo banco ao Ministério Público estão os números e as datas de abertura e fecho de 30 contas e dois cofres que Sobrinho possuiu no banco, incluindo 26 em nome de companhias offshore e uma em nome da A&A Foundation, uma fundação que o banqueiro criou com a sua mulher, Ana Madaleno, numa lista mais vasta do que a obtida na fuga de informação agora partilhada pelo Süddeutsche Zeitung.

Foi no final de 2009 que Sobrinho abriu as primeiras contas naquela instituição bancária. A maioria delas acabaram por ser encerradas antes de o Expresso ter revelado, em junho de 2014, a existência de 5,7 mil milhões de dólares emprestados pelo BESA a beneficiários desconhecidos e que não eram pagos de volta ao banco. Dois meses depois dessa notícia, o Banco Espírito Santo (BES), accionista maioritário e maior credor do BESA, entrava em colapso.

Em abril de 2015, e ainda segundo a informação fornecida pelo Credit Suisse ao Ministério Público, quatro das 30 contas do ex-CEO do BESA mantinham-se abertas. Uma era titulada pela Newshold SGPS, uma companhia com que Sobrinho deteve os jornais Sol e “i” e com que ainda possui uma participação de 2,4% no grupo Impresa, dono do jornal Expresso e da cadeia de televisão SIC.

Hélder Bataglia

Em março de 2018, com base noutra fuga de informação, partilhada então pela revista alemã Der Spiegel com a rede EIC (European Investigative Collaborations), uma investigação do Expresso revelou em detalhe como Álvaro Sobrinho, com a ajuda do seu cunhado Manuel Afonso-Dias, desviou para si e para elementos próximos da sua família pelo menos 615 milhões de dólares do BESA entre 2010 e 2013.

A partir da análise detalhada de um conjunto alargado de documentos, foi possível verificar então que o banqueiro apropriou-se desse dinheiro usando um esquema complexo.

Durante a última crise financeira na Europa, que levou a um programa de resgate em Portugal entre 2011 e 2013 pelo FMI, o Banco Central Europeu e a União Europeia, o BESA emprestou 1,6 mil milhões de dólares a cinco-empresas fantasmas, criadas e usadas internamente como veículos para esconder o passivo do Grupo Espírito Santo (GES) dos reguladores em Portugal e na Europa — e Sobrinho tirou partido disso.

O banqueiro tinha controlo sobre as contas dessas cinco empresas-fantasma e durante dois anos, antes de abandonar o banco, ordenou transferências internas e inúmeras sequências de levantamentos e depósitos em numerário que tiveram como destino contas no BESA tituladas por companhias de que ele e a sua família eram beneficiários.

A companhia que mais tirou dinheiro do BESA com esse esquema foi a Ocean Private, incorporada em Luanda em agosto de 2010 e detida por Sobrinho através da Jayhill Corporate Limited, uma offshore das Ilhas Virgens Britânicas titular de uma das contas no Credit Suisse (embora não seja uma das 12 que constam nos Suisse Secrets).

Em outubro de 2013, a nova administração do BESA, que substituiu a equipa de Sobrinho no banco, identificou 226,8 milhões de dólares recebidos pela Ocean Private com origem nas cinco empresas-fantasma usadas como veículos para disfarçar o passivo do GES.

Do BESA para o Credit Suisse

Nos extratos bancários da conta da Ocean Private no BESA, o Expresso chegou a identificar 277 milhões de dólares de depósitos feitos em numerário entre fevereiro de 2011 e maio de 2013.

Ao cruzar agora a investigação realizada em 2018 pelo Expresso com esta nova fuga de informação, é possível perceber que entre as companhias offshore que são titulares das 12 contas de Sobrinho referidas nos Suisse Secrets, sete estão implicadas diretamente nos desvios do BESA, por receberem transferências bancárias com origem na Ocean Private em Angola: a Garrylake Investments, a Grunberg Investments Limited, a Vamaserra, a Ulisys Enterprises LTD, a Zenal Development LTD, a Supino Holdings LTD e a White Ceder LTD.

Tendo em conta apenas os movimentos identificados nos extratos bancários do BESA analisados pelo Expresso em 2018, a Ocean Private transferiu para aquelas sete companhias 22 milhões de dólares a partir de Angola.

Alargando o cruzamento desses extratos bancários com a informação fornecida pelo Credit Suisse em 2015 ao Ministério Público, houve 51 milhões de dólares enviados pela Ocean Private para 14 companhias offshore de Sobrinho com contas naquele banco suíço.

Um balcão do Besa, em Cabinda (Angola)

Esse dinheiro, contudo, não parece ter ido diretamente de Angola para a Suíça. Parte dele, pelo menos, passou por uma conta jumbo do BESA no BES em Lisboa, o que terá ajudado a contornar eventuais entraves que pudessem ser colocados pelo compliance do Credit Suisse, uma vez que se tratava de verbas supostamente escrutinadas por um banco europeu em Portugal.

O uso de uma conta jumbo do BESA no BES, em Lisboa, foi reportado pelo Banco de Portugal ao Ministério Público durante a investigação criminal que terminou no ano passado sobre o colapso do banco da família Espírito Santo. A informação foi depois partilhada com a equipa de procuradores que investigam o desvio de dinheiro do BESA, num inquérito-crime aberto em 2011.

De acordo com essa informação, a que o Expresso teve acesso, houve uma série de transferências feitas a partir da conta jumbo do BESA no BES em Lisboa para as contas de Sobrinho na Suíça tendo como justificação a devolução de suprimentos. Um suprimento é um empréstimo contraído por uma empresa junto de um dos seus acionistas; e a devolução de um suprimento é quando esse empréstimo é pago de volta pela empresa ao acionista.

Eis alguns exemplos do que aconteceu: entre 2011 e 2012, a Garrylake Investments recebeu 4,2 milhões de euros através da conta jumbo do BESA no BES justificados como a devolução de um empréstimo alegadamente feito por Álvaro Sobrinho a uma outra empresa sua, registada no Luxemburgo, a World Property. Durante o mesmo período e com a mesma justificação, a Vamaserra recebeu 12,2 milhões de euros, a Newbrook recebeu outros 12,2 milhões, a Zenal Development 6,8 milhões, a White Ceder 3 milhões.

Sobrinho e Bataglia juntos no desvio do BESA?

Nos extratos da conta no BESA da Ocean Private, uma das companhias usadas por Sobrinho para desviar dinheiro do banco angolano, constam duas transferências em janeiro de 2012 para a Supino Holdings Ltd, uma das três companhias offshore com contas partilhadas pelo banqueiro e pelo presidente da Escom no Credit Suisse: uma de 798.000 dólares a 20 de janeiro desse ano e outra de 1.032.536 dólares dez dias depois.

Além disso, existe uma companhia de nome Supino referida numa despacho de abril de 2015 do Tribunal Central de Instrução Criminal, relacionado com o inquérito-crime sobre o desvio de dinheiro do BESA. Nesse despacho, em que o juiz Carlos Alexandre determina o arresto de uma série de imóveis de Sobrinho e da sua família, é dito que a Supino recebeu mais de 10 milhões de euros da conta jumbo do BESA no BES em Lisboa, mas não é claro se essa Supino é a mesma Supino Holdings Ltd e para que conta o dinheiro foi transferido.

Esta já é a segunda situação em que Sobrinho e Bataglia aparecem juntos por detrás de uma empresa envolvida no desvio de dinheiro do BESA. Em março de 2018, o Expresso revelou que os dois foram donos ocultos da Saímo, uma das cinco empresas-fantasma usadas como veículos para camuflar o passivo do GES.

Entre os documentos partilhados pela Der Spiegel com o Expresso, no âmbito da rede EIC, estava uma certidão do registo comercial de Luanda que mostrava como a Saímo foi criada em setembro de 2010 tendo como accionistas, com partes iguais, a Ocean Private de Álvaro Sobrinho e a Margest, uma empresa identificada na Operação Monte Branco com sendo de Bataglia. Um ano depois, em setembro de 2011, a Saímo pediu 120 milhões de dólares emprestados ao BESA. Pelo que se sabe, até hoje nenhum desses milhões foi pago de volta.

“Embora possa ser correto que eu tenha sido co-proprietário da Saímo num determinado momento, nunca cheguei a gerir realmente essa empresa”, diz Bataglia. “Por conseguinte, não tive qualquer intervenção nos negócios da empresa e, portanto, não estou em posição de comentar o suposto empréstimo a que se referem, nem sei se é verdade ou não que o referido empréstimo nunca foi pago de volta.”

O presidente da Escom admite que a sua memória também não ajuda. “Estão a perguntar-me sobre factos que aconteceram há mais de 10 anos e em relação aos quais nem consigo lembrar se tive alguma intervenção.” Já Sobrinho foi questionado sobre a Saímo em 2018, mas nunca chegou a responder às perguntas do Expresso sobre o assunto.

Em 2014, depois de ter recebido um pedido de cooperação por parte dos procuradores portugueses, o Ministério Público suíço abriu um inquérito-crime sobre Álvaro Sobrinho, requerendo na altura as primeiras informações sobre o banqueiro ao Credit Suisse.

Ficou então a saber-se que Sobrinho acumulara até abril de 2012 cerca de 137 milhões de euros em 24 contas detidas à época nesse banco — além de 42,5 milhões noutros bancos suíços. Mais tarde, em 2017, o Expresso e o jornal suíço Le Matin Dimanche revelavam que um tribunal helvético decidira a favor do congelamento de 150 milhões de euros (160 milhões de francos) em contas detidas no Credit Suisse e noutros bancos.

Ao longo de vários anos, o Credit Suisse não só permitiu que estes volumes enormes de dinheiro circulassem nas suas contas, como foi lento a reagir aos acontecimentos, mantendo Álvaro Sobrinho como cliente até muito tarde, apesar de a rede de lavagem de dinheiro que usava a Akoya ter sido tornado pública em maio de 2012, com a detenção em Portugal dos administradores dessa empresa suíça de gestão de fortunas, no âmbito da Operação Monte Branco, e a revelação na altura de que poderiam estar em causa mil milhões de euros.

Antes disso, em 2011, Sobrinho já tinha sido alvo de uma ordem de arresto de imóveis e contas bancárias em Portugal, por causa da compra suspeita de seis apartamentos no condomínio de luxo Estoril-Sol por 9,5 milhões de euros, pagos a pronto.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mrpereira@expresso.impresa.pt

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