14 fevereiro 2022 18:54
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Foto Nuno Fox
Estabelecer uma ligação entre Síndrome de Asperger e o que terá levado um jovem de 18 anos a planear um massacre “é o mesmo que dizer que uma pessoa de uma determinada raça, etnia ou que um jornalista, um político, um juiz ou um médico é sociopata”, considera a Federação Portuguesa de Autismo
14 fevereiro 2022 18:54
As notícias de que João, jovem de 18 anos que planeou o ataque travado pela PJ à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, sofre alegadamente de Síndrome de Asperger fizeram com que a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA) e a Federação Portuguesa de Autismo (FPDA) viessem a público afirmar que a cobertura mediática deste tema, “sem uma adequada contextualização”, é “criticável”.
“A violência e a agressividade não são características da Síndrome de Asperger, pelo que não pode ser feita qualquer associação direta entre os atos de violência descritos pela comunicação social e esta síndrome”, frisa em comunicado, a APSA que, “na sequência de várias notícias difundidas pelos media sobre o projetado atentado”, aproveita para “solicitar aos agentes da comunicação social e às redes sociais que não façam julgamentos e rotulagens comportamentais precipitados”.
Para a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger, “estes atos são, outrossim, absolutamente demonstrativos do trabalho que há a desenvolver na saúde mental em Portugal, batalha que a APSA tem travado junto dos cidadãos, das autoridades públicas e da iniciativa privada e dos particulares, intervindo no sentido de capacitação e integração das pessoas com Síndrome de Asperger na sociedade”.
Com quase 20 anos de experiência a acompanhar e a intervir junto de pessoas portadoras de Síndrome de Asperger, a associação esclarece que se trata de uma “perturbação do espectro do autismo que se manifesta, sobretudo, por alterações na interação social, na comunicação e no comportamento, sendo mais habituais as alterações dos padrões de comunicação verbal e não-verbal”, além de uma “atenção muito focalizada em interesses específicos”,
Dificuldade em estabelecer contacto ocular, interpretação literal da linguagem, e dificuldade em entender ou expressar emoções são alguns dos traços mais comuns, o que não impede o “desenvolvimento de capacidades cognitivas normais”.
Já a Federação Portuguesa de Autismo considera que é “criticável” a forma como várias notícias, “apresentadas sem uma adequada contextualização”, têm ligado a eventual condição do jovem ao que o levou a planear o massacre.
Isso, acrescenta Fernando Campilho, presidente do conselho executivo da FPDA, pode “comprometer anos de luta pela inclusão das pessoas com autismo na sociedade e da aplicação plena da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, ratificada por Portugal em 2009.
“Um enquadramento adequado das notícias é um dever e uma obrigação de todos os órgãos de comunicação social”, vinca a FPDA em comunicado, onde se pode ler que “não faz parte de qualquer forma de autismo a existência de comportamentos sociopatas”. Aliás, observa esta entidade, “muito mais frequentemente as pessoas com autismo são vítimas de violência e de bullying ao longo da sua vida”.
Para a Federação Portuguesa de Autismo, “dizer que uma pessoa autista é sociopata é o mesmo que dizer que uma pessoa de uma determinada raça, etnia ou que um jornalista, um político, um juiz ou um médico é sociopata”. O mesmo comunicado aponta que “sociopatas podem existir em qualquer grupo ou profissão; felizmente apenas uma minoria das pessoas é sociopata, não sendo a sociopatia uma característica definidora dessa profissão, grupo, etc”.
Até porque, aclara a FDPA, “diferentemente do autismo, que é uma alteração do neurodesenvolvimento, a sociopatia é um distúrbio da personalidade, caracterizada por comportamentos antissociais”.