Sociedade

Agricultor Luís Dias vai voltar à greve de fome, mas em vez de Belém vai agora para São Bento: “Que alternativa tenho?”

5 janeiro 2022 16:14

O agricultor foi chamado pelo secretário de Estado esta terça-feira mas a reunião terminou sem soluções. Luís Dias diz que o Governo continua sem assumir a responsabilidade que o relatório da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território lhe atribui relativamente aos prejuízos na Quinta das Amoras

5 janeiro 2022 16:14

Há menos de seis meses, Luís Dias terminava uma greve de fome de 28 dias em frente ao Palácio de Belém, a residência oficial do Presidente. Agora volta à mesma estratégia porque nada mudou desde então: a partir desta sexta-feira, o agricultor vai retomar a greve de fome. O local agora será o Palácio de São Bento, residência oficial do primeiro-ministro. “A responsabilidade última é dele. Aquilo que a ministra da agricultura faz e não faz só pode ser responsabilidade do primeiro-ministro”, diz ao Expresso.

“Que alternativa tenho? Pelo menos vou mostrar às pessoas a diferença entre a propaganda e a realidade. Não me deram uma única alternativa, qualquer esperança que fosse”, lamenta Luís Dias. “É inverno, passaram só seis meses. Dificilmente escapo vivo, tenho consciência disso.”

A decisão foi tomada esta terça-feira, depois de Luís se ter reunido com o secretário de Estado da Agricultura. “Chamaram-nos para propor reduzir o tamanho da nossa quinta e assim ser mais fácil investirmos na reconstrução. Nós? Ao fim de sete anos completamente na miséria, nós é que temos de encontrar meios para reconstruir aquilo que os funcionários do Estado destruíram. Foi a coisa mais surreal, louca e doentia a que já assisti. Não nos deram uma única solução”, diz.

Foi em 2017 que a Quinta das Amoras, de que Luís Dias é proprietário com a mulher, foi atingida por uma tempestade, que destruiu metade das estufas. Estimavam então que a reconstrução custasse 120 mil euros (40 mil de investimento próprio, mais 80 mil de fundos europeus). O agricultor deu entrada de um pedido junto da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro para receber fundos europeus que tinham como objetivo ajudar na reconstrução. Na altura, a instituição recusou e não ativou os fundos – e é aqui que os relatórios atribuem a responsabilidade ao Governo, considerando esta recusa errada.

Dois anos depois, em 2019, a Provedoria de Justiça deu razão a Luís mas o pagamento nunca chegou a ser feito.

Entre a recusa de ativar os fundos e recursos de decisão, o tempo passou e o terreno manteve-se sem qualquer reconstrução. Uma segunda tempestade destruiu por completo as estufas da quinta. “A fatura da reconstrução disparou para 240 mil euros, 100 mil nossos e 140 de fundos europeus”, refere Luís. Desde então, “as plantas morreram, tudo se degradou”, a produção parou.

Luís não tem possibilidade de fazer o investimento próprio na quinta e o Governo “recusa dar mais um euro que seja além dos fundos europeus que devia ter dado em 2018”. “Mas para ‘facilitar’, disseram-nos agora que aceitavam que, em vez de reconstruirmos os quatro hectares, reconstruíssemos apenas um e davam-nos um quarto dos fundos”, conta.

O objetivo seria reduzir os custos da parte que seria paga inicialmente pelo agricultor. “O relatório da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) diz claramente que o Estado foi responsável por paralisar durante seis anos a exploração e ainda assim o Ministério da Agricultura insiste que não é responsável por nada”, acusa o agricultor, que critica a falta de disponibilidade do lado do Governo para fazer um acordo ou um plano de recuperação da quinta.

Em resposta à Lusa, o Executivo confirmou o encontro e assegurou que o financiamento de 140 mil euros vai estar disponível “até a beneficiária decidir pela sua utilização” – neste caso trata-se da mulher de Luís Dias. “Nesta reunião [de terça-feira], o Ministério da Agricultura reiterou que, no âmbito do projeto aprovado na medida 6.2.2 – Restabelecimento do Potencial Produtivo da Exploração Agrícola do PDR2020 [Programa de Desenvolvimento Rural], foi atribuído um financiamento a fundo perdido, no valor de 140 mil euros, para apoiar a recuperação da designada Quinta das Amoras, cujas estufas/túneis foram destruídas pelo vento.”

Na mesma nota, o Ministério assegura que vai cumprir a decisão do Ministério Público, que atribui responsabilidade ao Estado, e promete que vai prestar apoio “no cumprimento das formalidades legalmente necessárias ao pagamento da referida ajuda e/ou em alternativa, a um eventual ajustamento da operação de recuperação da Quinta das Amoras, de forma a responder às atuais necessidades da referida exploração agrícola”.

Ainda assim, o valor disponibilizado agora pelo Governo não é suficiente, explica Luís. Com passar do tempo sem ter capacidade de reconstruir e produzir, o agricultor estima que os prejuízos tenham ultrapassado significativamente os 240 mil euros. “Esperam que sejamos nós a pagar. Como? Não faço ideia. Nós sem produzirmos, o banco caiu-nos em cima. Com tudo isto a quinta esteve totalmente parada 4 anos.”

Foi entre maio e junho, que Luís esteve em frente à residência oficial do Presidente e, quando pôs fim à greve de fome ao 28º dia, já tinha deixado o aviso: “Se até ao final do ano não tivermos uma solução, volto para Lisboa, para novo protesto, desta vez em frente à residência do primeiro-ministro”.