Sociedade

Mobilidade:transformação elétrica avança a diferentes velocidades

A MOBILIDADE NÃO É SÓ CARROS Entre 2023 e 2024, estes emblemáticos navios da Transtejo, que fazem a travessia fluvial entre Lisboa e Cacilhas, 
o Seixal e o Montijo, vão ser substituídos por navios 100% elétricos. O investimento é de €52,44 milhões, com recurso aos fundos europeus do POSEUR,
e inclui a construção das estações de carregamento, que serão instaladas, de forma faseada, no Seixal, Cais do Sodré, Cacilhas e Montijo.
A MOBILIDADE NÃO É SÓ CARROS Entre 2023 e 2024, estes emblemáticos navios da Transtejo, que fazem a travessia fluvial entre Lisboa e Cacilhas, 
o Seixal e o Montijo, vão ser substituídos por navios 100% elétricos. O investimento é de €52,44 milhões, com recurso aos fundos europeus do POSEUR,
e inclui a construção das estações de carregamento, que serão instaladas, de forma faseada, no Seixal, Cais do Sodré, Cacilhas e Montijo.
Foto Nuno Fox

Há cada vez mais carros comerciais e de distribuição 100% elétricos a circular nas cidades. Até já há alguns autocarros, apesar de longe do ideal. Agora só falta haver mais soluções para as frotas de longo curso e para os pesados

Mobilidade:transformação elétrica avança a diferentes velocidades

Ana Baptista

Jornalista

A descarbonização dos transportes não passa apenas pelos carros particulares. Até porque esses estão parados 80% a 90% do tempo. O foco, dizem os especialistas em alterações climáticas, tem de estar nos carros das empresas, principalmente os comerciais e de entregas, nos pesados de mercadorias e nos transportes públicos, ou seja, os que passam mais tempo na estrada e emitem mais CO2. Mas é nestes três segmentos que há mais desafios e que a eletrificação decorre a velocidades diferentes.

Nas empresas que só têm carros e/ou carrinhas de passageiros e comerciais o processo está a ser mais rápido e há vários exemplos disso. Como acontece nos CTT, que já tem 336 elétricos e híbridos plug-in; na EDP, que soma 300 elétricos e híbridos plug-in e 650 pontos de carregamento, ou na Nestlé, que no final do ano terá 59 elétricos e vai instalar 72 postos. Segundo Henrique Sánchez, presidente da Associação dos Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), há cada vez “mais contactos de empresas interessadas em eletrificar a sua frota e instalar postos de carregamento por questões ambientais e fiscais” (ver caixa ao lado). E também uma maior procura por formação sobre condução mais eficiente, carregamentos e, mais importante, sobre a escolha do carro mais adequado.

Henrique Sánchez diz que nestes segmentos “já existe bastante oferta”, só que para Roberto Fonseca, diretor-geral da Arval (companhia de renting automóvel), há empresas para as quais pode ainda não ser vantajoso apostar numa frota 100% elétrica. “Para um carro que só faça 30 a 50 km por dia e carregue quando está parado no escritório é vantajoso, mas um carro que vai e vem três vezes por semana ao Algarve ainda não faz sentido ser 100% elétrico, porque a autonomia diminui na autoestrada e porque vai gastar mais em carregamentos”, explica. Ainda assim, a alternativa não tem de ser um carro a combustão, mas sim um híbrido plug-in, que tem uma componente elétrica que pode ser usada na cidade.

Em contraste, nas empresas de distribuição o processo de eletrificação está a ser mais lento. Não por falta de vontade ou preocupação com o ambiente, mas porque as alternativas verdes — eletricidade e hidrogénio — ainda estão em fase de testes. Mesmo estes são, maioritariamente, para a distribuição urbana, por questões de autonomia e carregamento, e não tanto para pesados de mercadorias de médio e longo curso.

Transportes públicos

Neste caso, a eletrificação também começou pelas frotas urbanas. A Carris, em Lisboa, que conta com mais de 700 autocarros, tem 15 autocarros elétricos a circular desde março de 2020 e em abril deste ano lançou um concurso para comprar mais 30 e instalar 16 postos de carregamento duplos. Além disso, comprou mais 15 elétricos articulados, que também são veículos limpos. Já a STCP, no Porto, concluiu agora a renovação da sua frota e conta com 20 autocarros elétricos, se bem que 250 ainda são a gás natural. E em Cascais há dois autocarros a hidrogénio a circular até ao Guincho.

Luís Cabaço Martins, administrador da Barraqueiro, louva este esforço, mas diz que a evolução é curta e espelha os poucos apoios que existem. “Um autocarro a gasóleo custa €200 mil e um elétrico custa €350 mil e o Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR) financia a diferença, que são €150 mil, ou seja, compra-se um veículo limpo pelo preço de um a gasóleo.” Uma vez que “existem 12 mil autocarros a gasóleo em Portugal, dos quais três mil são urbanos, se quisermos mesmo fazer uma conversão, só nos urbanos precisamos de €450 milhões”, admite. A questão é que o POSEUR tem um limite de verbas e para 2021, à data da conversa do Expresso com Luís Cabaço Martins, esse limite era de €40 milhões. Segundo a Secretaria de Estado da Mobilidade, esse aviso já está fechado e as candidaturas estão em análise. Entretanto, a 6 de dezembro saiu um novo aviso de €48 milhões, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cujas candidaturas estão abertas até 31 de janeiro de 2022. Ou seja, no total, são €88 milhões para a compra de autocarros elétricos ou a hidrogénio e para a instalação de postos de abastecimento/carregamento.

Ainda assim, Luís Cabaço Martins entende que “temos de ser mais ambiciosos, senão não saímos dos 5% a 10% de autocarros limpos”. E sugere que o POSEUR financie o investimento todo e não só a diferença ou, se não for possível, que se alargue o prazo dos contratos de concessão de serviço público, passando dos atuais sete para 15 anos, “o tempo que demora a amortizar um autocarro elétrico”. “O Estado não pode suportar tudo, mas as empresas não geram margem para fazer este tipo de investimentos”, avisa.

Já na eletrificação do longo curso o problema é mais tecnológico. “Não é só uma questão de autonomia, mas de peso. Se a bateria pesar mais, tenho de levar menos passageiros”, diz Cabaço Martins, acrescentando que a rede pública de carregamento também tem de crescer e oferecer mais postos rápidos. É aqui que entram de novo os apoios, como alerta Gonçalo Castelo Branco, diretor de Mobilidade Inteligente da EDP Comercial: “O esforço para dobrar o número de postos foi todo feito por privados. Para o carregamento público, o PRR tem zero. Em Espanha há €750 milhões.”

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