Tecnologia portuguesa vai recolher dados do asteroide Didymos

Só em 2026 será possível apurar se a NASA consegue “dar encontrões” a asteroides. Efacec, GMV e Synopsis vão estar especialmente atentas
Só em 2026 será possível apurar se a NASA consegue “dar encontrões” a asteroides. Efacec, GMV e Synopsis vão estar especialmente atentas
A 11 milhões de quilómetros da Terra dificilmente um corpo celeste se torna uma ameaça. O par de asteroides Didymos não foge à regra, e por isso não consta na lista de 2178 objetos celestes que, segundo a União Astronómica Internacional, têm trajetórias inferiores a 7,5 milhões de quilómetros de distância e risco de colisão com a Terra. Apophis, que lidera o ranking, vai passar a quase 40 mil quilómetros em abril de 2029 (10 vezes menos distante que a Lua). Mesmo assim, a agência espacial americana (NASA) preferiu lançar, quarta-feira, a partir de uma base na Califórnia, a missão DART, com o objetivo de mudar a trajetória dos asteroides Didymos na segunda metade de 2022. O resultado só será apurado em 2026 pela missão HERA, da Agência Espacial Europeia (ESA), que terá piloto automático e um LIDAR desenvolvidos em Portugal. Ambas as missões podem ser decisivas para a vida na Terra — mas até lá é a metáfora do bilhar espacial que domina o imaginário.
“A HERA vai ser lançada em 2024, com o objetivo de ser colocada numa trajetória que deverá coincidir com a dos asteroides Didymos em dois anos. As trajetórias são calculadas a partir de dados captados por radiotelescópios”, explica João Branco, líder da Unidade de Segmento de Voo da GMV em Portugal.
A descrição da trajetória da missão HERA pode ser facilmente comparada ao momento em que se direciona o taco para uma jogada, mas é na DART que a metáfora do bilhar espacial assume a plenitude: a missão da NASA pretende gerar um impacto a 25 mil quilómetros hora contra Dymorphos, um asteroide de 170 metros de diâmetro que orbita em torno de Didymos, que tem 780 metros. Além da cratera, prevê-se a alteração imediata de 1 milímetro por segundo na velocidade do asteroide, que, devido à força da gravidade, acabará por influenciar a trajetória do elemento maior do par. Passados 10 anos, essa alteração pode redundar num desvio de centenas de quilómetros.
No bilhar, há o objetivo de levar uma bola a tocar em outras duas, mas o bilhar espacial tem de evitar colisões em cadeia. “Em teoria, a alteração de trajetória de um corpo celeste pode afetar trajetórias de outros que estão perto, mas no caso de Didymos não há esse risco, pois são asteroides com pouca massa”, explica Nuno Peixinho, investigador do Instituto de Astrofísica (IA).
Em 1801, Giuzzepi Piazzi descobriu o primeiro asteroide, conhecido por Ceres. Ceres tem mil quilómetros de diâmetro — cerca de um terço da Lua. A trajetória torna-o inofensivo, mas não há tecnologia que mude o percurso de algo tão grande. Em contrapartida, não faltam pequenos objetos ameaçadores: “Prestamos muita atenção a dois mil corpos celestes da lista dos perigosos, mas deve haver mais três ou quatro mil que não conhecemos”, acrescenta Nuno Peixinho.
Em 2013, um corpo celeste desconhecido desintegrou-se sobre a cidade russa de Chelyabinsk e feriu um milhar de pessoas com vidros partidos e fragmentos de meteorito. Sabe-se que a atmosfera desfaz objetos até cinco metros de diâmetro, mas o meteorito teria 17 metros — e com essa dimensão é quase impossível detetar atempadamente uma colisão, ao contrário de objetos com centenas de metros de diâmetro, cujas antecipações chegam aos 10 anos de antecedência. O que dá uma margem de “quatro a cinco anos” para desenvolver uma missão específica, recorda João Branco.
“No passado, chegou-se a pensar na explosão de asteroides, mas essa solução gera múltiplos fragmentos, que podem ficar em órbita, e por isso se está a testar o desvio de trajetória por colisão. Também há quem tenha pensado em sistemas que aterram e usam propulsão para empurrar asteroides. Outra coisa que poderá ser feita é a colocação de sondas em órbita para serem atuadas quando necessário”, descreve Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa.
A 20 mil quilómetros hora, um meteorito de 100 metros de diâmetro gera uma cratera de 1 km de diâmetro e um rasto de destruição num diâmetro de 10 km. Um meteorito de 1 km arrasa uma área de 100 km, desencadeia sismos e tsunamis em vários pontos do globo e dispersa poeiras capazes de transformar o clima e eliminar parte da vida na Terra — tal como terá acontecido com os dinossauros.
A DART pode ser decisiva para a vida na Terra — mas só a HERA vai mostrar se é viável “dar encontrões” a asteroides. Para apurar se a DART logrou uma alteração de trajetória, a HERA terá de executar órbitas cada vez mais próximas dos asteroides. Só nessa altura a GMV vai confirmar se o piloto automático que desenvolveu está à altura do acontecimento. “Também há interesse em saber se há matérias valiosas nos asteroides”, refere João Branco. E foi precisamente para ajudar a HERA a saber do que são feitos os asteroides que Efacec, Synopsis Planet e Instituto Nacional de Optoeletrónica da Roménia desenvolveram um LIDAR, que recolhe dados que permitem reconstruir a “fisionomia” dos asteroides e apurar o que têm no interior.
“A partir do momento em que provarmos que esta tecnologia pode ser usada no espaço, abrimos portas para fazer a transição para veículos aéreos não-tripulados (drones) ou outras áreas da aeronáutica”, conclui João Gordo, líder da Synopsis Planet.
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