Sociedade

Transformar dados em informação útil

Transformar dados em informação útil
António Manuel Campiso Rocha

O grande desafio da digitalização na prestação de cuidados de saúde é passar de prateleiras cheias de processos clínicos para repositórios online, partilháveis e acessíveis a todos os profissionais

Francisco de Almeida Fernandes

São duas as grandes ambições dos sistemas de saúde, sejam eles privados ou públicos: melhorar a prestação de cuidados aos doentes e tornar a gestão dos recursos humanos e dos meios técnicos mais eficiente. Parece simples, mas há muitos obstáculos a ultrapassar pelo caminho. Esse percurso faz-se por via da digitalização de processos e de bases de dados, missão particularmente desafiante para grandes hospitais ou centros hospitalares.

“É um trabalho que exige gestão estratégica e planeamento de gestão da informação na forma como fazemos evoluir os sistemas de informação como um todo”, diz ao Expresso Maria João Campos, diretora do Centro de Gestão da Informação do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ). Esta equipa multidisciplinar pretende passar os registos clínicos em papel para uma plataforma digital que possa ser acedida por qualquer profissional de saúde sempre que necessário.

Esta é, aliás, uma das características das tendências antecipadas pelos especialistas nos últimos anos — colocar informação clínica, organizada e segura, nas mãos de médicos e enfermeiros, para que possam tomar as melhores decisões em cada momento da jornada do doente. O Centro de Gestão da Informação do São João, que integra três serviços internos, desenvolveu um processo clínico eletrónico com os registos dos doentes, “organizados e classificados”, que permite “uma maior eficiência na prestação de cuidados” e uma “diminuição da produção e uso de registos em papel”. “É um processo de transferência de suporte por digitalização com requisitos e as melhores boas práticas internacionais de preservação digital”, detalha Fernanda Gonçalves, diretora do Serviço de Arquivo do CHUSJ.

Apesar deste exemplo, a transformação digital mantém-se um desafio para os hospitais. Nestas estruturas existe um conjunto alargado de departamentos e especialidades que produzem, individualmente, dados com muitas e diferentes variáveis, que podem incluir todo o tipo de registos operacionais, administrativos e clínicos. Porém, para que esses dados possam ser analisados e utilizados como ferramenta de apoio à decisão, médica ou de gestão, precisam de estar estruturados e organizados.

“A importância dos dados está diretamente ligada à capacidade que temos, ou não, de os converter em informação útil”, explica o diretor do Serviço de Tecnologias e Sistemas de Informação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Especialista neste tema, Rui Gomes não tem dúvidas sobre as vantagens de uma verdadeira digitalização do sector para os seus profissionais. “O médico podia ser muito apoiado do ponto de vista da antecipação de algumas complicações que podem surgir”, afirma, exemplificando com funções como alarmísticas clínicas, controlo do circuito do medicamento ou interações medicamentosas.

Há, contudo, muitas dificuldades a endereçar. Desde logo aquela que o perito do CHUC considera ser uma das mais complexas — a linguagem de comunicação entre sistemas de informação dos hospitais e dispositivos médicos. “A área dos exames está mais debilitada, é necessário fazer uma grande aposta”, diagnostica Rui Gomes. Sistemas tecnologicamente ultrapassados, muitas vezes já descontinuados, obrigam a que sejam desenvolvidas soluções de raiz para harmonizar a comunicação entre si. “Isto implica investimentos avultados em tecnologia”, aponta Cláudia Simões. A diretora de Organização, Processos e Informação da CUF conta que é essa a estratégia que o grupo privado está a seguir, com o objetivo de se tornar interoperável e, portanto, capaz de trocar dados com outros hospitais e sistemas de saúde.

Pôr os dados a conversar

Este é, também, um dos grandes objetivos da União Europeia (UE) — permitir que os dados de saúde circulem, de forma ordenada e segura, entre os Estados-membros. A ideia é que um doente tanto possa ser atendido num hospital em Faro como numa unidade em Frankfurt, por exemplo, sem obrigar à construção da sua história clínica em cada ida aos serviços de saúde.

Cláudia Simões identifica claramente os desafios: investimento financeiro, aposta nas competências digitais dos recursos humanos, colaboração entre hospitais e o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD). Um dos investimentos que a CUF está a fazer é precisamente no sentido de “garantir que as linguagens [tecnológicas] são iguais”, diz. “A interoperabilidade é como se fosse uma ponte entre sistemas”, simplifica Rui Gomes. É essa ligação que deve merecer aposta dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, acredita o responsável do CHUC, nomeadamente no aproveitamento do potencial do Registo de Saúde Eletrónico.

Esta plataforma, que guarda dados clínicos dos doentes e o seu histórico de intervenções médicas, beneficiaria da integração com os diferentes sistemas informáticos e permitiria que Portugal cumprisse a meta definida pela UE. “É urgente, além de mais médicos e enfermeiros, revitalizar os serviços de TI [Tecnologias de Informação] com sangue novo e mais especializado”, refere ainda.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate