Sociedade

Novas revelações levantam dúvidas sobre partilha de dados de manifestantes palestinianos pela Câmara de Lisboa

Novas revelações levantam dúvidas sobre partilha de dados de manifestantes palestinianos pela Câmara de Lisboa
ANTÓNIO COTRIM

Depois dos manifestantes russos, agora surgem dúvidas sobre a partilha de dados pela autarquia relativa a ativistas palestinianos. Grupo de palestinianos acusa a autarquia de Fernando Medina. Troca de emails entre a CML e o Comité para a Solidariedade com a Palestina, com data de 2019, mostra a autarquia a assumir ter enviado informação para Israel, China e Venezuela.

As queixas sobre a atuação da Câmara Municipal de Lisboa (CML) no que toca à partilha de informações potencialmente sensíveis dos participantes em protestos na capital não acaba com o escândalo dos dados dos ativistas russos, revelado na quarta-feira pelo Expresso e pelo Observador.

O Comité de Solidariedade com a Palestina já em 2019 se tinha queixado publicamente do envio de informações sobre o protesto para a embaixada israelita, por considerar que a realização de uma manifestação pacífica não seria razão para alertar Israel desse protesto. Acresce que essa manifestação realizou-se num ano em que surgiram nos meios de comunicação social internacionais notícias sobre os planos da Mossad (as secretas de Israel) contra o Movimento de Boicote de Israel (BDS), parte integrante deste protesto. “Longe de se limitar à sua função, a CML encaminhou imediatamente a comunicação do Comité para a embaixada de Israel”, lê-se na nota de imprensa da altura. Mais: “O Comité denuncia a atitude de autêntica delação da CML e responsabiliza pessoalmente o seu presidente, Fernando Medina, por qualquer atentado que esbirros da Mossad possam encenar contra os participantes na concentração pacífica de 26 de junho”.

Esta quinta-feira, o coletivo palestiniano voltou à comunicação social para denunciar mais uma vez o caso, dizendo, em novo comunicado de imprensa, que “Medina mentiu”.

A acusação relaciona-se com as declarações feitas pelo Presidente da Câmara de Lisboa em resposta ao caso dos dados dos ativistas russos, nas quais garantiu que o que aconteceu foi “um erro”. Ora, o Comité de Solidariedade com a Palestina considera que este incidente não foi um erro e reenviou ao Expresso a resposta que recebeu da CML em 2019, quando se queixaram de que a embaixada de Israel foi informada das suas ações.

No email lê-se que a prática é mais comum do que Fernando Medina deu hoje a entender, nomeadamente na sua entrevista à RTP onde reiterou que os dados só foram enviados à embaixada por se tratar do lugar onde ocorreu a manifestação. “É por essa razão que a embaixada foi informada. Não é nenhuma informação enviada à Rússia ou a um país estrangeiro. É a uma embaixada por ser esse o local da realização da manifestação”, disse Medina.

Confrontando estas afirmações com as explicações que a própria CML deu ao Comité, a incongruência resulta clara: “Sempre que um país é visado pelo tema de uma manifestação, a sua representação diplomática no nosso país é igualmente informada”.

Além disso, na altura a CML assumia que também informou outras embaixadas da realização de concentrações, nomeadamente a da China e da Venezuela. “Por exemplo, tal procedimento foi feito aquando da comunicação recebida sobre a concentração promovida pelo Grupo de Apoio ao Tibete, no dia 25 de abril de 2019, no Largo do Camões, que assinalou o aniversário do Panchen Lama (...). Nesse caso, foi informada a embaixada da China”. Igual procedimento, continuava a explicação da CML, “foi adotado aquando da comunicação recebida por parte de um conjunto de cidadãos que, ‘em solidariedade com o povo da Venezuela’, dinamizaram no dia 10 de Junho de 2019, ‘uma acção pública de informação sobre o bloqueio ilegal de fundos estatais venezuelanos pelo Novo Banco’”. Esta acção decorreu frente à sede do banco na Avenida da Liberdade e a embaixada da Venezuela foi informada da manifestação”, confirma a CML.

Este protocolo está em vigor desde 2011 e a CML está ainda a averiguar que tipo de dados poderão ter sidos enviados em conjunto com a informação mais “banal” da realização de uma manifestação.

O Expresso tentou de novo obter informações que possam esclarecer que tipo de dados foram enviados para todas estas embaixadas e todas as outras visadas por manifestações desde que, em 2011, a CML adoptou o protocolo e até ao dia 18 de abri, de 2021, quando, no seguimento da queixa dos ativistas russos, a CML reviu o processo de envio de dados. O tipo de informação partilhada, com que frequência, com que países durante 10 anos de vigência deste protocolo está por conhecer.

O Expresso falou agora com uma das organizadoras da manifestação de palestinianos de 2019 que não confirmou que tivessem sido enviados dados tão específicos quanto aqueles recebidos pela embaixada da Federação Russa em janeiro de 2021.

Também um dos principais membros do coletivo, Ziyaad Yousef, disse ao Expresso agora não saber precisamente que dados foram partilhados, mas chamou à atenção para a falta de atenção dada a este assunto, em comparação com o que aconteceu com o caso dos russos. “Os palestinianos em Portugal, e as suas famílias, não estão menos vulneráveis, considerando o historial da Mossad de assassinatos e terrorismo internacional”, refere o palestiniano, mencionado de novo as ações das secretas de Israel.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: afranca@impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas