Poucas semanas antes de o procurador Orlando Figueira receber a primeira fatia de um total de 763 mil euros que um tribunal de primeira instância em Lisboa concluiu em 2018 terem sido subornos pagos pelo então presidente da Sonangol, Manuel Vicente, para que fosse encerrada uma investigação que corria contra ele no Ministério Público em Portugal, num caso que ficou conhecido como Operação Fizz, outro acontecimento importante relacionado com a empresa petrolífera angolana e com o seu gestor número um ganhava forma.
A 1 de novembro de 2011 a multinacional petrolífera britânica BP transferia 100 milhões de dólares para uma empresa holandesa, a SBM Offshore N.V., especializada na construção de plataformas petrolíferas flutuantes. Em causa estava um contrato em Angola. A BP desistira da encomenda de duas plataformas que estavam para ser montadas num estaleiro em Porto Amboim, 260 quilómetros a sul de Luanda -- o estaleiro Paenal --, detido em partes iguais numa joint venture pela SBM, pela Sonangol e por uma companhia coreana, a Daewoo Shipbuilding and Marine Engineering Co. (DSME). O valor pago correspondia à taxa de cancelamento desse projeto.
Pouco depois, em janeiro de 2012, enquanto Orlando Figueira arquivava as suspeitas de lavagem de dinheiro sobre Manuel Vicente, fazendo com que ele ficasse com a folha limpa no Ministério Público, a SBM assinava um acordo com a Sonangol para pagar uma parte da indemnização da BP à petrolífera angolana, no montante de 35 milhões de dólares. O pagamento deveria ser feito para uma conta no Millennium BCP titulada por uma misteriosa empresa offshore no Panamá, controlada por Manuel Vicente e por um colaborador próximo do ex-CEO da petrolífera angolana, Baptista Sumbe, que estava registado como presidente, secretário e tesoureiro dessa companhia.
Os contornos suspeitos de como esse pagamento foi exigido verbalmente à SBM por Baptista Sumbe e de como acabou por ser aprovado por aquela empresa holandesa, apesar de a companhia offshore no Panamá indicada para a transferência, a Sonangol International Inc., não constar, à época, nos relatórios e contas da petrolífera angolana e de ter sido criada através de ações ao portador (isto é, sem os acionistas estarem registados em lado nenhum), foram investigados pelo Expresso, numa colaboração liderada pelo projeto de investigação Finance Uncovered e com os jornais The Telegraph, no Reino Unido, e De Telegraaf, na Holanda.
Na base desta investigação conjunta estão centenas de ficheiros confidenciais, incluindo emails, contratos, relatórios internos e gravações audio de reuniões de crise, fornecidos por um advogado que se tornou um whistleblower (ou denunciante) depois de ter trabalhado para o departamento de compliance da SBM, Jonathan Taylor.
Confrontadas com estes factos, quer a SBM, quer a Sonangol e o Millennium BCP recusaram confirmar se a transferência de 35 milhões de dólares foi efectivamente feita, depois de ter sido aprovada.
Ao longo da última década a SBM tem sido alvo de vários processos judiciais por corrupção nos Estados Unidos, na Holanda e no Brasil, em que a empresa assumiu ter desenvolvido uma prática continuada de subornos a funcionários públicos nos países onde tem operado na construção de plataformas petrolíferas. Esses processos custaram até agora à empresa 830 milhões de dólares.
No lote de indícios acumulados nesses casos judiciais estão pagamentos corruptos feitos através de outra companhia offshore registada no Panamá com a mesma morada que a Sonangol Internacional Inc., a Mardrill, e que tinha também Baptista Sumbe como administrador.
Num processo-crime na Suíça que levou à condenação em outubro de 2020 de um antigo CEO da SBM, Didier Keller, este gestor confirmou que foram pagos 4,7 milhões de dólares em subornos através da Mardrill entre 2006 e 2008, com as transferências a serem feitas para uma conta no Millennium BCP de que esta companhia era titular. O tribunal suíço deu como provado que Baptista Sumbe e a sua mulher, Rosa Sumbe, foram beneficiários finais de, pelo menos, parte desse dinheiro, depois de verificar que durante aquele período houve transferências de 2,9 milhões de dólares da Mardrill para contas pessoais do casal.
Keller contou aos procuradores na Suíça que tentou resistir à pressão que Baptista Sumbe começou a fazer em 2001 para o pagamento de comissões à Mardrill. Mas quando foi ter com Manuel Vicente e perguntou-lhe sobre se ele estava a par desse esquema de transferências, foi criticado por estar a desconfiar do braço direito do então chairman da Sonangol. O ex-CEO da SBM admitiu que, depois desta conversa com Vicente, ficou convencido que os subornos tinham mesmo de ser pagos. No final, o tribunal suíço condenou Keller a uma pena suspensa de dois anos de prisão.
Os documentos fornecidos por Jonathan Taylor mostram que as transferências para a Mardill continuaram depois disso e que, além dos valores mencionados pelo tribunal helvético, a SBM enviou mais 11 milhões de dólares, entre julho de 2008 e agosto de 2011, para a conta no BCP daquela companhia offshore controlada por Baptista Sumbe.
Sumbe não foi nem ouvido, nem acusado na Suíça e o seu paradeiro é desconhecido. Até hoje, apesar de inúmeras tentativas, não respondeu a nenhum pedido de contacto do Expresso. Proprietário de vários imóveis nos arredores de Lisboa, o gestor angolano viveu durante muitos anos em Houston, no Texas, numa casa de 1,3 milhões de dólares, inserida num condomínio fechado e em frente a um campo de golfe. Desde 1997 que chefiava a subsidiária da Sonangol nos Estados Unidos, a Sonangol USA, até ser afastado em 2013 desse e de todos os cargos no grupo Sonangol. Em janeiro deste ano, a mulher, Rosa Sumbe, publicou uma fotografia em que ela surge com o marido no que parece ser a sua casa de Houston, mas não foi possível confirmar se o casal continua a residir ali.